Visão e missão combonianas face às antigas e às novas escravaturas

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Sábado, 14 de Setembro de 2013
O tema “Visão e missão combonianas face às antigas e às novas escravaturas, no décimo aniversário da Canonização de São Daniel Comboni” foi apresentado pelo P. Arlindo Pinto – coordenador do sector da Justiça, Paz e Integridade da Criação (JPIC) no Instituto – durante a assembleia provincial de Portugal que decorreu de 6 a 10 de Setembro, em Viseu. Esta reflexão teve como objectivo abrir novos horizontes à programação das actividades missionárias para o ano 2013-2014, em Portugal.

 

 


Tema


Visão e missão combonianas
face às antigas
e às novas escravaturas

no décimo aniversário
da Canonização
de São Daniel Comboni
(5 de Outubro de 2003)

 

 

Introdução

Dez anos depois de Daniel Comboni ter sido declarado santo[1], tem todo o sentido não só celebrar o aniversário da sua canonização, mas também aproveitar deste acontecimento para reflectir sobre um tema tão caro a Comboni: a escravatura (em sentido lato, as escravaturas).

Sendo a(s) escravatura(s) o ponto de partida desta reflexão, vamos deixar-nos iluminar pelas visão e missão proféticas de Comboni em relação à escravatura do seu tempo, para depois nos perguntarmos também nós sobre quais são as escravaturas do nosso tempo e o que podemos ou devemos fazer para as erradicar.

É verdade que a escravatura, à qual Comboni especificamente se referia, já foi oficialmente abolida[2]. Contudo, podemos ainda constatar que a humanidade nunca foi tão escrava, ou escravizada de tantas maneiras, como no nosso tempo. Isto porque há muitas maneiras de acorrentar e dominar as pessoas, de subjugar e privar os povos das suas liberdades e direitos fundamentais. Há muitos modos de retirar às pessoas – e às criaturas em geral – a sua dignidade e muitas maneiras de lhes perverter o fim para o qual foram criadas.

Como cristãos e missionários, todas as escravaturas hodiernas não podem continuar a deixar-nos frios e indiferentes. Devemos romper com a “globalização da indiferença”[3]. Os clamores e os sofrimentos de tantos nossos irmãos e irmãs têm de fazer parte da agenda das nossas actividades de animação missionária e de evangelização.

Encontrar soluções eficazes para as graves escravaturas da nossa era é não só uma tarefa de toda a sociedade e de todas as suas instituições, como também uma obrigação da Igreja, e, portanto, também nossa, como teremos oportunidade de ver ao longo deste texto. E os tempos são favoráveis. O Papa Francisco está a “semear ventos” que devem soprar também às nossas “velas” de missionários e combonianos para nos levar a navegar nas mesmas águas dos empobrecidos, dos necessitados, e dos injustiçados.

O objectivo geral deste tema “Visão e missão combonianas face às antigas e às novas escravaturas” é de abrir novos horizontes à programação das actividades dos combonianos da Província Portuguesa para o ano pastoral de 2013-2014 que terá como lema: “Comboni profeta e as novas escravaturas”.

Tendo presente o limite do tempo e a amplitude do tema, esta reflexão não pretende fazer uma abordagem exaustiva do fenómeno das escravaturas contemporâneas. Mas pretende referir alguns aspectos – religiosos, sociais, económicos, políticos e ambientais – significativos e determinantes que de um ou outro modo podem ou devem influenciar uma programação pastoral missionária.

1. Pressupostos bíblicos e indicações do magistério da Igreja
Para iniciar a abordagem do tema, consideramos imprescindível fazer dois acenos ao que nos diz a Bíblia e nos ensina o Magistério da Igreja, para nos ajudar a reflectir e a formar uma visão de evangelização e animação missionária, na óptica da missão comboniana e na perspectiva da Justiça, Paz e Integridade da Criação (JPIC).

1.1 Pressupostos bíblicos
Sobre a Sagrada Escritura, gostaríamos de recordar apenas alguns textos: a missão de Moisés (Ex 3, 7-10); a missão do profeta Isaías (Is 61, 1-11), à qual Jesus se referiu no início do seu ministério, da sua missão em Nazaré da Galileia (Lc 4, 16-21); o juízo final de Mateus (Mt 25, 31-46); e a abertura do livro pelo Cordeiro (Ap 22, 1-17).

A leitura destes textos bíblicos permite-nos ver como as Escrituras – a história da salvação – nos revelam um Deus Amor que intervém na história da humanidade como um libertador, um salvador. É o caso, por exemplo, do texto paradigmático do capítulo três do Êxodo, o famoso diálogo entre Deus e Moisés: “Eu bem vi a opressão do meu povo que está no Egipto, e ouvi o seu clamor diante dos seus inspectores; conheço, na verdade, os seus sofrimentos. Desci a fim de o libertar da mão dos egípcios e de o fazer subir desta terra para uma terra boa e espaçosa, para uma terra que mana leite e mel, (…). E agora, eis que o clamor dos filhos de Israel chegou até mim, e vi também a tirania que os egípcios exercem sobre eles. E agora, vai; Eu te envio ao faraó, e faz sair do Egipto o meu povo, os filhos de Israel.” (Ex 3, 7-10).

A visão e a missão de Deus têm como finalidade libertar o (seu) povo das escravidões que o afligem, como Deus mesmo mais à frente o afirma: “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te fiz sair da terra do Egipto, da casa da escravidão.” (Ex 20, 2).

Por sua vez, Isaías fala da sua vocação de profeta, como uma missão recebida de Deus com estas palavras: “O espírito do Senhor repousa sobre mim, porque o Senhor consagrou-me pela unção; enviou-me a levar a boa nova aos humildes, curar os corações doloridos, anunciar aos cativos a redenção, e aos prisioneiros a liberdade; proclamar um ano de graças da parte do Senhor, e um dia de vingança de nosso Deus; consolar todos os aflitos, dar-lhes um diadema em vez de cinzas, o óleo da alegria em vez de vestidos de luto, cânticos de glória em lugar de desespero. Então os chamarão as azinheiras da justiça, plantadas pelo Senhor para sua glória (…).” (Is 61, 1-11).

Jesus iniciou a sua actividade missionária lendo em público, na sinagoga de Nazaré, exactamente esta passagem do livro do profeta Isaías.[4] Terminada a leitura, diz o evangelista Lucas, Jesus enrolou o livro e concluiu: “Hoje se cumpriu este oráculo que vós acabais de ouvir.”

Portanto, o próprio Filho de Deus, o Verbo encarnado na plenitude dos tempos, veio revelar-nos como Deus-Pai é um Deus sensível às vítimas de injustiças, aos maltratados, aos fracos e oprimidos. Bastaria recordar aqui, entre tantas outras citações, as bem-aventuranças evangélicas[5] e, consequentemente, as obras de misericórdia que a Igreja ensina na sua doutrina social[6].

É nesta mesma linha de pensamento que devemos ler o capítulo 25 do Evangelho de Mateus sobre o juízo final (Mt 25, 31-46): “(…) Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo (…).”[7]

Sendo assim, a linguagem bíblica quando fala de “libertação da escravidão” não se está a referir a algo abstracto, a uma salvação puramente espiritual, mas a uma “realidade cósmica”, uma salvação que inclui a matéria, o corpo e o espírito.[8]

Ora, o magistério da Igreja – ou melhor, a doutrina social da Igreja – inspira-se nesta Palavra revelada e, naturalmente, procura ser fiel a estas mesmas visão e missão dos profetas e, sobretudo, à visão e à missão do próprio Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus.[9]

Em conclusão, o fim último da evangelização e de toda a actividade missionária da Igreja é de preparar e, quanto possível, de tornar já presentes neste mundo as realidades daquele tempo em que “já não haverá maldição nenhuma” e “não haverá mais noite”.[10]

Neste sentido, o missionário é aquele que olha para a vida, para os pobres, e para o mundo e vê neles – parafraseando Ermes Ronchi – o lugar de Deus. “Quem passou nem que seja apenas uma hora a suportar o clamor de um sofredor está mais perto do mistério de Deus, d’Aquele que consultou todos os livros e conhece o sentido de todas as palavras. Quem sabe da vida sabe de Deus. A vida é um lugar teológico.”[11]

1.2 Indicações do magistério da Igreja
Iniciamos por mencionar alguns dos documentos eclesiais mais relevantes, do pós-Vaticano II, que nos poderão ajudar a compreender e a aprofundar as questões relacionadas com o nosso tema.[12]

Os primeiros que gostaríamos de citar fazem mais alusão à realidade latino-americana. Referimo-nos sobretudo aos documentos das conferências gerais do episcopado da América Latina e do Caribe (CELAM) que tiveram maior repercussão na Igreja e na sociedade do Continente americano: Medellín[13] (1968), Puebla[14] (1979), Santo Domingo[15] (1992) e Aparecida[16] (2007).

A grande novidade destes documentos é o facto de se partir dos pobres e dos diversos rostos de pobreza humana e social, numa perspectiva evangélica, para dar origem a uma reflexão teológica, denominada Teologia da libertação, que foi muito criticada e quase silenciada sobretudo nas últimas duas décadas do século passado e, agora, ressurgida após a eleição do novo Papa Francisco.

São consequência desta reflexão, baseada no método do ver-julgar-agir, o desenvolvimento de conceitos e dinâmicas pastorais como a “opção preferencial pelos pobres” e as “pequenas comunidades eclesiais de base”. Esta visão de Igreja, de evangelização e de pastoral missionária teve as suas repercussões positivas – eclesiais, sociais e económicas – no Continente americano e noutras partes do mundo. Poderia citar, por exemplo, o caso paradigmático do Brasil que nas últimas duas décadas deixou de ser denominado país subdesenvolvido para passar a fazer parte dos países económica e socialmente desenvolvidos. Hoje, o Brasil pertence ao grupo dos BRIC, os países economicamente emergentes, e, portanto, considerado já uma grande potência económica mundial.[17]

Uma simples nota histórica mas de particular relevância eclesial e pastoral é o facto de o conceito “nova evangelização” ter aparecido pela primeira vez no documento preparatório de Medellín e, depois, na Mensagem da mesma conferência, recordou recentemente o teólogo peruano Gustavo Gutiérrez, o pai da Teologia da Libertação. Portanto, já em 1968 se falava de “nova evangelização” na Igreja da América Latina.[18]

Em relação ao continente africano, parece-me que os documentos mais significativos para nomear sejam as exortações apostólicas pós-sinodais: “Ecclesia in Africa”[19] (1995) e “Africae munus”[20] (2011). A primeira grande diferença das conferências do CELAM em relação aos sínodos africanos é que estes foram realizados em Roma e, portanto, fora do contexto africano. Além disso, a preparação dos dois sínodos não envolveram as bases à mesma dimensão e profundidade do que foi feito nas Américas. Constatamos, pessoalmente, estas duas diferenças importantes para o impacto dos resultados. As repercussões das duas exortações apostólicas pós-sinodais foram insignificantes.

Temos de admitir, contudo, que ambos os sínodos africanos, embora usando uma linguagem bastante mais moderada do que a dos documentos das Américas, reflectiram sobre os problemas eclesiais, sociopolíticos e económicos que afligem o Continente, e que procuraram caminhos e soluções para se verem livres das escravaturas que ainda hoje assolam os povos africanos tais como, por exemplo: a pobreza absoluta, os conflitos armados, a mobilidade humana, a propagação da SIDA e de outras doenças, o direito e a justiça, a exploração dos recursos humanos e da terra.

Finalmente, gostaria de referir os dois documentos mais recentes que, embora dirigindo-se à Igreja inteira, espelham a nossa realidade europeia: a “Verbum Domini”[21] (2010) e o “Instrumentum laboris”[22] (2012) do Sínodo dos bispos sobre a nova evangelização, enquanto esperamos a promulgação do documento final.

Iniciando pela “Verbum Domini”[23], podemos constatar que já da sua simples estrutura ressalta claro o equilíbrio da visão missionária do Papa no que diz respeito à missão como anúncio (e testemunho) da Palavra de Deus ao mundo e à missão como compromisso no mundo. Uma visão de missão e de evangelização bem na linha da tradição comboniana, porque vista como “missio ad gentes”[24].

Bento XVI, no documento, estabelece uma relação muito estreita entre o anúncio da Palavra de Deus e os compromissos, por exemplo, com: os “irmãos mais pequeninos”[25], a “sociedade pela justiça”[26], a “reconciliação e a paz entre os povos”[27], os “migrantes”[28], os “pobres”[29], e a “defesa da criação”[30].

Sobre o Sínodo dos bispos sobre a nova evangelização, estamos à espera da publicação do documento final. Entretanto, no “Instrumentum laboris”, que serviu de base aos trabalhos dos Padres sinodais, parte-se de uma visão de Jesus Cristo como o primeiro e o maior evangelizador, o missionário do Pai que manifestou uma particular predilecção e atenção aos pobres, aos estrangeiros, às prostitutas,… em perfeita sintonia com os profetas e as Escrituras veterotestamentá rias. E conclui o mesmo documento: “A libertação e a salvação transmitidas pelo Reino de Deus alcançam a pessoa humana nas suas dimensões quer físicas quer espirituais.”[31]

Sobre os vários cenários culturais, sociais, económicos, políticos, e religiosos da nova evangelização, o documento refere-se explicitamente, por exemplo, aos seguintes cenários: à “secularização”[32], ao “fenómeno migratório”[33], às “desigualdades” e aos “desequilíbrios entre ricos e pobres”[34], aos novos “actores políticos” [35] no cenário mundial e aos novos problemas sociais e ambientais por eles levantados, e às “novas fronteiras do cenário comunicativo”[36]. A reflexão sinodal sobre estes e outros cenários serviram para individuar alguns rumos pastorais e estilos de vida, considerados mais adequados para as pessoas, homens e mulheres contemporâneos, e para o mundo actual, incluindo a actividade missionária da Igreja.[37]

Por último, consideramos indispensável chamar a atenção para as duas encíclicas mais recentes: a “Caritas in veritate” (2009)[38], do Papa Bento XVI, e a “Lumen fidei” (2013)[39], já do actual Papa Francisco. Sobretudo a primeira Encíclica “Caritas in veritate” – de referência e, mormente, de leitura obrigatória, tendo em conta a índole do seu conteúdo, “Desenvolvimento humano integral na caridade e na verdade” –, ajuda-nos a perceber a sociedade e os problemas da actualidade e, além disso, fornece-nos algumas propostas para eventuais compromissos pastorais.

Bento XVI afirma claramente na “Caritas in veritate” que a evangelização “não seria completa, se não tomasse em consideração a interpelação recíproca que se fazem constantemente o Evangelho e a vida concreta, pessoal e social, do homem. (...) O testemunho da caridade de Cristo através de obras de justiça, paz e desenvolvimento faz parte da evangelização, pois a Jesus Cristo, que nos ama, interessa o homem inteiro. Sobre estes importantes ensinamentos, está fundado o aspecto missionário da doutrina social da Igreja como elemento essencial de evangelização. A doutrina social da Igreja é anúncio e testemunho de fé; é instrumento e lugar imprescindível de educação para a mesma.”[40]

O Papa usa uma única vez em todo o documento a expressão “novas formas de escravidão”, relacionando-as com a droga e o desespero humano resultantes de uma sociedade de bem-estar material mas “oprimente para a alma”.[41] No entanto, a Carta Encíclica faz uma reflexão séria e profunda sobre as realidades humanas e terrenas da actualidade, analisando em pormenor e com alguma novidade as questões relacionadas com: o desenvolvimento; a justiça e paz; os fluxos migratórios, com frequência provocados e depois não geridos adequadamente; a exploração desregrada dos recursos da terra; e a integridade da criação.[42]

Por exemplo, sobre os temas como o relacionamento do homem com o ambiente natural, o cuidado e a preservação do ambiente, os recursos naturais e as guerras, os conflitos gerados pelo açambarcamento dos recursos naturais, especialmente da água, o Santo Padre reconhece “o peso de responsabilidade pela criação” que a Igreja tem e ainda a sua obrigação de “fazer valer esta responsabilidade também em público”. Ao fazê-lo, diz Bento XVI, a Igreja “não tem apenas de defender a terra, a água e o ar como dons da criação que pertencem a todos, mas deve sobretudo proteger o homem da destruição de si mesmo”. [43]

Quanto ao problema da mobilidade humana, o Papa classifica-o como “um fenómeno impressionante pela quantidade de pessoas envolvidas, pelas problemáticas sociais, económicas, políticas, culturais e religiosas que levanta, pelos desafios dramáticos que coloca à comunidade nacional e internacional”.[44] E esclarece, logo a seguir, que os imigrantes “não podem ser considerados como simples mercadoria ou mera força de trabalho; por isso, não devem ser tratados como qualquer outro factor de produção. Todo o imigrante é uma pessoa humana e, enquanto tal, possui direitos fundamentais inalienáveis que hão-de ser respeitados por todos em qualquer situação”.

Diante dos tantos e tão graves problemas mundiais, o Santo Padre chega a falar da “urgência de uma reforma quer da Organização das Nações Unidas quer da arquitectura económica e financeira internacional” e sugere a necessidade de “uma verdadeira Autoridade política mundial”.[45]

A Carta Encíclica “Lumen fidei” é uma reflexão sobre a essência da Fé e, portanto, um texto com uma linguagem menos empírica. Apesar disso, podemos encontrar ao longo da encíclica algumas referências à relação existente entre a fé e a vida real social[46], sobretudo no capítulo quarto (nn. 50-57), como veremos já a seguir.

A fé, afirma a encíclica, ilumina “as relações entre os homens” e “todas as relações sociais”[47]. Nesta linha de pensamento, lê-se já mesmo no final da Encíclica: “A luz da fé não nos faz esquecer os sofrimentos do mundo. Os que sofrem foram mediadores de luz para tantos homens e mulheres de fé; tal foi o leproso para São Francisco de Assis, ou os pobres para a Beata Teresa de Calcutá.”[48]

De igual modo, nós combonianos, poderíamos dizer que tal foram a escravatura e os demais sofrimentos da “Nigrizia” para São Daniel Comboni. Portanto, ambos os elementos “a luz da fé” e “os sofredores” iluminam e motivam a visão e a missão dos homens e mulheres de Deus. Assim foi para Comboni, assim deve ser para os seus seguidores.

Por último, a relação da fé com a natureza também mereceu menção na “Lumen fidei”. O Papa escreve: “Além disso a fé, ao revelar-nos o amor de Deus Criador, faz-nos olhar com maior respeito para a natureza, fazendo-nos reconhecer nela uma gramática escrita por Ele e uma habitação que nos foi confiada para ser cultivada e guardada; ajuda-nos a encontrar modelos de progresso, que não se baseiem apenas na utilidade e no lucro mas considerem a criação como dom, de que todos somos devedores; ensina-nos a individuar formas justas de governo, reconhecendo que a autoridade vem de Deus para estar ao serviço do bem comum.”[49]

2. Comboni e a escravatura do seu tempo
A fonte principal do que se refere à visão e à missão de São Daniel Comboni (1831-1881) sobre a escravatura do seu tempo são os seus Escritos, que se encontram traduzidos em diversas línguas, nomeadamente em português. Sobre este tema, já foram feitos vários estudos por parte de combonianos e de leigos.[50] Trata-se aqui, portanto, de referir apenas o essencial para percebermos quanto era importante para Comboni o tema do tráfico dos seres humanos, em pleno século XIX. Nos Escritos de Comboni, o problema da escravatura vem mencionado cerca de 450 vezes, o que, só por si, é já uma prova de quanto Comboni era sensível a esta conduta horrenda da venda dos negros africanos – “a raça mais desgraçada do mundo” e “as almas mais infelizes, as mais necessitadas e as mais abandonadas do mundo”[51] – nos mercados do Médio Oriente, para depois seguirem diversos destinos, sobretudo para a Europa e as Américas.

O primeiro contacto de Comboni com a realidade da escravidão foi em Korosko, no Norte do Sudão, em Novembro de 1857. Ficou de tal modo impressionado que, escrevendo ao seu pai, conta: “… ficamos muitas vezes magoados por ver tantos miseráveis filhos de Adão, vítimas da mais deplorável escravidão”[52]. O último relato de Comboni, sete dias antes de morrer, é sobre o baptismo do “velho escravo da tribo dos Dincas”, que se encontra na carta escrita ao Card. João Simeoni, com data de 3 de Outubro de 1881: “Entre os baptizados também estava um velho de 60 anos da tribo dos Dincas, que lá tinha ouvido falar do Cristianismo há vinte e três anos, quando eu andei no país dos Ghog no 6º grau de lat. N., no Outono de 1858. Não sei se este velho veio para Cartum porque naquele país do interior nunca mais viu um missionário ou porque foi feito escravo e roubado de lá e depois conduzido para Cartum. Ele em Fevereiro passado escapou ao seu patrão e refugiou-se na missão, e nós entendemo-nos com o patrão desembolsando alguns escudos.”[53]

É impressionante o modo como Comboni denunciou os “horríveis delitos” que testemunhou. Assim conta ao seu pai numa carta escrita em Julho de 1881: “Agora estou a tratar com o paxá Gieglar, enviado de Cartum para prender os cabecilhas, enforcar alguns deles, apanhar os cavalos aos Baggara e tomar as medidas que urge implantar. Eu limitei-me a expor os factos e a realidade das coisas, contra centenas de ricos canalhas, que se fizeram poderosos com o sangue dos negros e com os mais horríveis delitos, vendendo e prostituindo milhares de honestíssimas donzelas, que devido a eles perderam a virtude e a vida; e deixo que o Governo actue como julgar conveniente.”[54]

É particularmente esclarecedor, e para não nos alongarmos demasiado, o que Comboni descreve na longa “Relação histórica sobre o Vicariato apostólico da África Central”, enviada a Mons. Luís Ciurcia, em Fevereiro de 1870: “Havia em Cartum um grande mercado de escravos. Esses infelizes prisioneiros da África Central, arrancados às suas famílias pela violência e à força, eram postos à venda agrilhoados como vis animais. Entre esses prisioneiros viam-se frequentemente delicadas crianças, que iam parar às mãos de quem os comprava a alto preço.
Os missionários adquiriram neste mercado muitos rapazes que pareciam muito inteligentes e que ofereciam sinais inequívocos de bom resultado. Também encontraram aí alguns filhos de pai europeu, amiúde abandonados sem piedade por este, os quais tinham caído no paganismo das suas mães. Estes meninos foram acolhidos na casa da missão. Começou-se a instruí-los nas coisas mais simples que podiam ser-lhes úteis na sua terra, porém, sobretudo nas verdades da nossa santa religião.
Esses deveriam vir a formar a primeira comunidade cristã na África Central e um dia deviam tornar-se livres. Por caminhos seguros, eles deviam voltar à sua terra de origem, e, no meio dos seus patrícios, serem para eles apóstolos, tornando-se também apoios activos e firmes dos missionários. Animados de um grande zelo, esses jovens acolhiam favoravelmente a divina palavra. O seu amor para com Deus era vivo, os seus costumes suaves e tranquilos e sentiam um cordial afecto pelos missionários. Em pouco tempo os primeiros deles puderam receber o santo baptismo, que lhes foi administrado no Dia de Todos os Santos.”[55]

Depois de ler os relatórios de Comboni, podemos concluir que o mais importante para nós, hoje, é tomar consciência de que Comboni não só se interessou em sair em defesa dos africanos e da sua libertação das mãos dos traficantes como também fez tudo o que estava ao seu alcance para abolir as leis e as estruturas que permitiam tão abominável comércio de seres humanos. Comboni preocupou-se, em síntese, com a denúncia dos factos testemunhados ao mais alto nível eclesial e político, com a libertação efectiva, e com a formação humana, religiosa e profissional dos escravos africanos.

Portanto, Comboni não promoveu uma evangelização espiritualista, intimista e assistencialista, mas uma actividade missionária voltada para a libertação efectiva e integral da pessoa humana e para a abolição das organizações criminais responsáveis pelo tráfico dos escravos.

Não necessitamos de muitas mais palavras para percebermos e podermos concluir que a visão e a missão de Comboni são ainda hoje uma visão actual e uma proposta de missão viável – entendida como evangelização e animação missionária – para cada um dos missionários combonianos tanto aqui na Europa como em qualquer outra parte do mundo.

3. A Regra de Vida e o XVII Capítulo Geral de 2009 e a JPIC
Depois de termos referido o que dizem a Sagrada Escritura e alguns textos da Igreja no âmbito da JPIC, e, em poucas palavras, o modo como Comboni viu e actuou em relação à escravatura do seu tempo, estudo que tem como objectivo nortear e fundamentar a nossa visão de evangelização e animação missionária, passamos agora a examinar dois textos fundamentais para os Missionários Combonianos: a Regra de Vida[56] (RV) e as Actas do último Capítulo Geral de 2009 (AC 09).

3.1 A Regra de Vida e a JPIC
A RV dos Missionários Combonianos espelha uma visão de missão – desenvolvida no Vaticano II e nos documentos eclesiais que se lhe seguiram, de modo particular a “Evangelii nuntiandi” (EN) – que não permite dissociar a evangelização dos problemas sociais, das injustiças e das pobrezas que afectam a humanidade. A posição da RV é clara: a evangelização deve visar a libertação integral da pessoa humana e dos povos. Assim, diz a RV sobre a evangelização como libertação integral: “Na sua actividade de evangelização, o missionário empenha-se pela «libertação do homem do pecado, da violência, da injustiça e do egoísmo», da necessidade e das estruturas opressivas. Esta libertação encontra a sua realização e consolidação na plena comunhão com Deus Pai e entre os homens. Em particular, pela relação que existe entre evangelização e promoção humana, o irmão é chamado a dar um contributo especial às actividades que favorecem o desenvolvimento integral do homem. A comum competência, o empenho e labor, geram uma solidariedade com o povo que faz do irmão um ministro que revela Jesus Cristo.”[57]

Todo este número das constituições da RV, incluindo os seus nove números directoriais, inspiram-se na Exortação apostólica “Evangelii nuntiandi”, quando expressa a necessidade de a evangelização estar estritamente relacionada com a promoção humana: “Entre evangelização e promoção humana, desenvolvimento, libertação, existem de fato laços profundos: laços de ordem antropológica, dado que o homem que há de ser evangelizado não é um ser abstracto, mas é sim um ser condicionado pelo conjunto dos problemas sociais e económicos; laços de ordem teológica, porque não se pode nunca dissociar o plano da criação do plano da redenção, um e outro a abrangerem as situações bem concretas da injustiça que há de ser combatida e da justiça a ser restaurada; laços daquela ordem eminentemente evangélica, qual é a ordem da caridade: como se poderia, realmente, proclamar o mandamento novo sem promover na justiça e na paz o verdadeiro e o autêntico progresso do homem? Nós próprios tivemos o cuidado de salientar isto mesmo, ao recordar que é impossível aceitar "que a obra da evangelização possa ou deva negligenciar os problemas extremamente graves, agitados sobremaneira hoje em dia, no que se refere à justiça, à libertação, ao desenvolvimento e à paz no mundo. Se isso porventura acontecesse, seria ignorar a doutrina do Evangelho sobre o amor para com o próximo que sofre ou se encontra em necessidade". Pois bem: aquelas mesmas vozes que, com zelo, inteligência e coragem, ventilaram este tema candente, no decorrer do referido Sínodo, com grande alegria nossa forneceram os princípios iluminadores para bem se captar o alcance e o sentido profundo da libertação, conforme ela foi anunciada e realizada por Jesus de Nazaré e conforme a Igreja a apregoa.”[58]

Portanto, a RV, embora não use expressamente o conceito escravatura, refere-se ao dever do comboniano de defender as pessoas e os povos das diversas escravaturas – tais como da exploração, da opressão e de todas as situações de injustiça –, e de contribuir para promover as condições de vida dos pobres [59], que para Comboni eram todos os mais “necessitados e abandonados”[60].

Há temas candentes de actualidade, relacionados com a JPIC, sobre os quais a RV, compreensivelmente, não se pronuncia, razão pela qual, por estes e outros motivos, esteja a merecer a sua revisão e actualização. Por exemplo, não há qualquer menção ao fenómeno da mobilidade humano (migrações), ao tráfico de seres humanos, ao meio ambiente (ecologia), entre outros problemas sociais e ambientais de actualidade, que são, hoje, objecto da solicitude pastoral social da Igreja.

3.2 O XVII Capítulo Geral de 2009 e a JPIC
Pesquisando sobre o que disseram os últimos três Capítulos (1997, 2003, 2009) sobre o empenho dos combonianos no âmbito da JPIC, reparamos que as ideias principais se vão repetindo, pelo que decidimos concentrar-nos apenas sobre as Actas Capitulares de 2009.

Sobre os “elementos inspiradores da missão comboniana”, dizem os capitulares: “reafirmamos a nossa escolha preferencial pelos pobres (ad pauperes)” e “sensíveis e atentos às novas formas de escravidão, sentimo-nos chamados a denunciar as injustiças e a proclamar a Palavra que liberta e promove a vida em plenitude”[61]; e “reafirmamos a nossa abertura aos sinais dos tempos, às novas dimensões da missão (JPIC, reconciliação, diálogo interreligioso…), aos novos areópagos (promoção dos direitos humanos, periferias urbanas, situações de emergência…) e à pluralidade dos ministérios”.[62]

A decisão dos Combonianos de se empenharem nas áreas específicas da JPIC é inequívoca, apesar de reconhecerem algumas dificuldades em assumir algumas delas[63]. Para os Combonianos, “a missão é descrita e vivida acima de tudo como compaixão de Deus para com um mundo dividido, e em termos práticos como primeira evangelização, AM, formação de novos missionários e de líderes, promoção humana, diálogo e encontro interreligioso, empenho pela reconciliação e pela JPIC, inculturação, presença e solidariedade em situações humanas difíceis…”.[64]

As “orientações programáticas” correspondentes a uma tal visão de missão apontam para alguns objectivos e escolhas proféticas que cada uma das Circunscrições deve ter em conta para “reavivar e requalificar a nossa identidade carismática”. De entre estes objectivos destacam os capitulares: “sensibilizar os confrades a assumir, de forma integrada e segundo os seus carismas pessoais, as novas dimensões da missão – JPIC, diálogo interreligioso, reconciliação… – e a acolher o novo papel do missionário, não mais protagonista mas colaborador”[65]. Quanto às escolhas proféticas, o Capítulo nomeia com algum destaque o sector da JPIC e a mobilidade humana (os imigrantes), sobretudo a ter em conta na animação missionária comboniana na Europa.[66] Dois critérios para as escolhas proféticas foram repetidamente nomeados: a “opção preferencial pelos pobres” e o “estilo de vida” simples: “Conformar o nosso estilo de vida com a opção preferencial pelos pobres, procurando uma maior aproximação das nossas comunidades à vida concreta das gentes através do conhecimento da sua língua, cultura, costumes, história, e favorecendo experiências comunitárias de inserção radical, em diálogo com a Circunscrição e a Igreja local.”[67]

A formação de confrades na área de JPIC foi também tema no Capítulo. Ao Conselho Geral (CG), diz-se: “O CG, em consulta com as Circunscrições a nível continental, organize especializações para confrades, em particular para Irmãos, em áreas relevantes de JPIC.”[68]

A situação da imigração[69] (imigrantes e refugiados) foi um dos problemas muito sentido e citado com frequência durante o Capítulo. Os Combonianos consideraram a imigração uma “situação de fronteira” a requerer a nossa presença. Neste contexto, falaram de consolidar a nossa inserção nesta realidade: “Durante o próximo sexénio, as Circunscrições que ainda não realizaram tal prioridade, assegurem pelo menos uma presença em situações de fronteira (bairros de lata, nómadas, imigrados…) tendo em conta os critérios do viver próximo da gente, no seu ambiente, em estruturas simples. Os mesmos critérios sejam seguidos na abertura de novas comunidades.”[70] E sugerem: “As Circunscrições promovam a nível continental, juntamente com outros organismos, actividades de lobbying e advocacy, com atenção particular em relação aos imigrados e aos refugiados.”[71].

Portanto, o trabalho com e entre os imigrantes, tal como todas as demais iniciativas com o objectivo de promover a JPIC são vistos pelos capitulares como um empenho que deve ser feito em colaboração com a Família Comboniana, a Igreja local e os organismos da sociedade civil. As AC 2009 falam mais de 30 vezes desta disposição dos Combonianos de colaborar com todas as forças, através de parcerias e trabalho em rede, incluindo com instituições de âmbito internacional.[72]

Relacionado com estas instituições, gostaríamos apenas de recordar, aqui, que os Combonianos estão a realizar algumas actividades em colaboração com outros institutos e organizações, nomeadamente com a União dos Superiores Gerais masculinos (USG) e das Superioras Gerais (UISG), a Antena África-Europa Fé e Justiça (Africa Europe Faith and Justice Network: AEFJN), e a Vivat International. Os Missionários Combonianos têm um representante – que é indicado pelo Conselho Geral para esse fim – nessas organizações,.[73]

O que temos constatado nos encontros com os membros dos vários institutos religiosos – da USG/UISG, Vivat e AEFJN – é que, cada vez mais, falar de evangelização e animação missionária, hoje, é falar de JPIC e vice-versa. Na parte que nos toca a nós combonianos, não entendemos, sinceramente, o porquê ainda de tantas resistências e, às vezes, até indiferença – à(s) temática(s) da JPIC.

4. Os fóruns sociais mundiais e os fóruns combonianos
Os Missionários Combonianos estão a participar, desde 2001, nos fóruns sociais mundiais (FSM), que se realizam cada dois anos em locais e países diversos, e em outros fóruns internacionais. Em concomitância com os FSM, os mesmos missionários organizaram também os fóruns combonianos (FC). Como no final destes fóruns se têm tirado conclusões com alguma pretensão de influírem sobre a visão e a missão dos Combonianos no âmbito da evangelização e da animação missionária, pensamos em consultar quanto foi dito nos últimos três eventos mundiais – no FSM e FC de Dacar (Senegal), em Fevereiro de 2011; na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (ou Rio+20) e no FC sobre a Integridade da Criação (FCIC), no Rio de Janeiro (Brasil), em Junho de 2012; e no FSM e FC em Túnis (Tunísia), em Março 2013 – para ver em que medida nos podem ser úteis ao desenvolvimento da reflexão que estamos aqui a expor.

Das 14 propostas feitas pelos missionários que participaram em Dacar – na continuação das propostas elaboradas nos FSM em Nairobi (2007) e Belém (2009) –, quase todas já realizadas ou em vias de realização, uma referia-se ao empenho dos missionários participantes no FSM em desenvolver uma espiritualidade da JPIC. Sublinhamos esta proposta, pela sua importância e actualidade seja para os combonianos que operam no âmbito “do social” (JPIC) seja para os combonianos que são indiferentes ou mesmo da opinião – e não são poucos – de que o empenho “no campo social” não faz parte da nossa missão religiosa missionária comboniana. Um comboniano, por exemplo, apelidou o envolvimento de alguns dos nossos missionários nos FSM de “turismo mundial dos nossos confrades sociólogos e sindicalistas” que querem “individuar uma nova missão comboniana”.[74]

Nas conclusões do FCIC no Rio de Janeiro, os participantes reafirmaram com convicção e certeza que “Comboni e a sua coragem profética nos confirmam nestes caminhos de promoção de Paz, Reconciliação e Justiça Social e Ambiental”. De facto, o comunicado final – Carta aberta à Família Comboniana” – começa por dizer que “a promoção da Paz, Reconciliação e Justiça Social e Ambiental é uma dimensão essencial da missão. Gradualmente, vamos tomando consciência da urgência particular da questão ecológica e da consequente necessidade de a incluir entre as nossas prioridades de acção apostólica”.[75]

No FSM e FC na Tunísia, combonianos e combonianas participaram como Família Comboniana. Da programação à avaliação final, tudo foi organizado por membros de ambos os institutos. No final dos dois fóruns (FSM e FC), os participantes redigiram um comunicado intitulado “Primavera de diálogo – rumo à dignidade da família humana”. Os missionários e as missionárias escrevem em terras tunisinas: “Hóspedes de um povo que está a renascer, a Família Comboniana, reunida no Fórum Social Mundial, respirou a primavera árabe e a força dos sonhos deste povo. Em Túnis despertaram a dignidade e o espírito crítico das mulheres, a potencialidade dos jovens e seu desejo de abrir-se ao mundo. Este lugar de libertação, de uma religião de rosto humano, é própria da Páscoa que celebramos nos dias do Fórum. (…) Sentimo-nos confirmados, ainda, pela alegria de descobrir nos outros, a mesma metodologia de Comboni: ‘Salvar a África com a África’.”[76]

Em Túnis, concluindo, os participantes renovaram o compromisso ao serviço de três prioridades. “Relendo as experiências missionárias e pastorais – escrevem os missionários e as missionárias –, encontramo-nos em plena sintonia com alguns dos percursos que congregam as nossas actividades locais e provinciais. Renovamos o nosso compromisso ao serviço de três prioridades comuns: o tráfico de pessoas e a mobilidade humana; o cuidado da Criação, especialmente lutando contra o açambarcamento (grilagem) de terras e a pilhagem dos bens comuns; e o dialogo inter-religioso e intercultural.”

5. Documentos combonianos da Província Portuguesa
De seguida, vamos verificar o que dizem os documentos oficiais da Província Portuguesa. Consideramos oportuno recordar que a programação das actividades, deve partir do que já foi anteriormente programado e, também, do que já foi feito e avaliado no passado. Os documentos principais da programação e avaliação da Província Portuguesa do sexénio em curso (2009-2016) não falam em sentido estrito sobra as “novas escravaturas”, mas referem-se aos problemas candentes da actualidade e desenham algumas estratégias e acções concretas no sentido de as enfrentar a nível individual, comunitário e provincial.

5.1 O Plano Sexenal 2009-2016 da Província Portuguesa
O Plano Sexenal 2009-2016 da Província Portuguesa, no capítulo sobre a Animação Missionária e Evangelização, dá um espaço relevante à JPIC, seguindo de perto o texto e as decisões das AC 09. Depois de reassumidos os mesmos princípios inspiradores capitulares[77], define-se para o sexénio, no sector de JPIC, o seguinte objectivo: “Orientamos a nossa acção a sensibilizar, mobilizar e organizar a Província, assim como as comunidades cristãs, para um maior empenho nos âmbitos da justiça, da paz, da ecologia, do desarmamento, da ética económica e dos direitos humanos.”[78]

Logo a seguir ao objectivo, definem-se as estratégias – “Mostrar a relação dos âmbitos da justiça, da paz e da preservação da natureza com a evangelização e iluminar a relação entre a salvação em Cristo e a transformação das realidades conexas com o compromisso pela JPIC; divulgar as iniciativas das organizações eclesiais e da sociedade civil, agindo, colaborando e aportando o nosso próprio contributo, neste campo; intensificar o testemunho pessoal e comunitário de um estilo de vida sóbrio e coerente com as opções da preservação da natureza –, e também os meios e acções a realizar no mesmo sexénio: “Estar presente em âmbitos nacionais e internacionais, em colaboração com a Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal (CIRP), VIVAT e AEFJN; utilizar as nossas revistas, audiovisuais e os meios on-line; entre 2011 e 2012 a equipa responsável por estes sectores faça um subsídio audiovisual sobre a dimensão missionária da JPIC; manter uma pessoa de referência, que estimule a Província e sirva de elo de ligação com as entidades acima mencionadas; a Assembleia Provincial de 2011, com a coordenação do SAME, tenha como tema principal, além dos habituais, a JPIC; promover, juntamente com outros organismos, actividades de lobbying e advocacy, sobretudo em relação aos problemas dos imigrados e refugiados.”[79]

Apresentando o objectivo da “Editorial, Internet e audiovisuais” para o mesmo sexénio, menciona-se de novo a área da JPIC: “Apoiar campanhas de lobbying e advocacy tendentes à promoção dos direitos humanos e da JPIC”.[80] Do mesmo modo, na abordagem sobre a pastoral vocacional e juvenil, define-se também como objectivo “suscitar nos jovens maior abertura e sensibilidade aos problemas e esperanças do mundo, no âmbito da Justiça, Paz e Integridade da Criação”.[81]

Sobre a mobilidade humana (migrações), diz-se na “Introdução geral” do Plano: “Hoje, Portugal não é apenas um país de emigrantes, mas também de imigrantes. Este fenómeno da imigração já trouxe ao país mais de 434 mil pessoas registadas, vindas sobretudo dos países de língua portuguesa e do Leste da Europa. Calcula-se que os imigrantes ilegais ultrapassem os 200 mil.”[82] Sobre este tema específico, a Província considerou que a comunidade de Camarate – aberta oficialmente no dia 1 de Janeiro de 2011 para assistir as duas paróquias de Camarate e Apelação, na periferia de Lisboa – é “fruto da reflexão da Província, para responder às orientações do Capítulo Geral, no sentido de favorecer novas vivências comunitárias de inserção radical, de modo a aproximar as nossas comunidades à vida das pessoas, em sintonia com a opção preferencial pelos pobres”[83].

Quando se inicia a programação provincial para o sexénio, o mesmo documento constata que, por um lado, o número dos confrades nas comunidades está a aumentar, mas, por outro, se sente “a falta de forças capazes de responder criativamente aos novos desafios da missão, em Portugal”.[84] Enfim, uma afirmação, no mínimo provocatória, a merecer uma séria reflexão nesta Assembleia Provincial. Porquê falar tanto de empenho e compromisso no sector da JPIC se depois não temos as pessoas nem as “forças capazes de responder criativamente aos novos desafios da missão, em Portugal”? Apesar de tudo, a Província decidiu apoiar, pelo menos, o projecto de Camarate por o considerar “um empenho de evangelização num contexto de migração entre os mais pobres”.[85]

Na mesma linha do Capítulo, o Plano Sexenal faz referência, umas dez vezes, à necessidade de reflectir e de rever o “estilo de vida” individual e comunitário dos Combonianos, sempre no sentido de melhorar o testemunho missionário. Para tal, sugere o uso do “discernimento comunitário”, para “iniciar ‘uma séria reflexão sobre o estilo de vida das nossas comunidades para uma maior proximidade das nossas comunidades à vida das pessoas, em sintonia com a opção preferencial pelos pobres’ (AC 09, n. 11.3)”.[86]

Este seria o momento justo de esta Assembleia Provincial se perguntar sobre quais objectivos – do âmbito da JPIC – do Plano Sexenal 2009-2016 foram atingidos, e verificar e avaliar o que foi feito e o que está ainda por fazer.

5.2 Carta da Animação Missionária e Evangelização 2011-2016
A “Carta da Animação Missionária e Evangelização 2011-2016” da Província Portuguesa retoma, naturalmente, parte dos conteúdos do Plano Sexenal 2009-2016. A “Carta” também não menciona expressamente o conceito de “novas escravaturas”, mas revela que a animação missionária e a evangelização devem ser sensíveis aos pobres e aos povos oprimidos. Por exemplo, reflectindo sobre “O ‘Hoje’ da nossa presença em Portugal”, diz: “À luz de Deus seremos capazes de descobrir também em Portugal sinais encorajadores, no desejo de voluntariado de tantos jovens, na maior sensibilidade com os povos oprimidos, numa maior participação dos leigos na vida das comunidades cristãs e do seu envolvimento em projectos de promoção humana e de maior justiça social.”[87]

A mesma “Carta” reconhece que a animação missionária e evangelização abrangem temáticas relacionadas com a JPIC, que deve ser feita em “colaboração com organizações civis”, e que deve estar aberta “às urgências da evangelização”.[88] Sobre o empenho de “primeira e nova evangelização em contextos de fronteira, de imigração e de marginalização”[89], fala uma única vez.

Quanto a propostas de acções concretas relacionadas com a JPIC, a “Carta” nomeia apenas uma: “A preparação de temáticas para apresentar nas aulas de Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC), nas escolas.”[90] Contudo, a “Carta” é particularmente rica no que se refere à colaboração e à necessidade de trabalhar em rede. Neste sentido, propõe uma maior colaboração com toda a Família Comboniana, e uma “acção em rede” com os outros institutos missionários, e os organismos eclesiais e da sociedade civil “que promovem um mundo mais justo e solidário”.[91]

5.3 “Carta à Província de Portugal” de P. Alberto Pelucchi
Lendo a “Carta à Província de Portugal” de P. Alberto Pelucchi, após a sua visita oficial no final do ano de 2012 e início de 2013, ressalta que – na opinião do P. Pelucchi – os combonianos da Província Portuguesa conhecem “bem o passado” mas ainda têm “alguma dificuldade em acolher o novo”, apesar de se ter aberto “uma comunidade de evangelização” (Camarate) e “transferido uma outra para um contexto mais próximo da gente e inserido na Igreja local” (Coimbra/Calvão). O P. Pelucchi qualificou estas iniciativas como um “novo ímpeto de presença missionária” e um “processo rumo uma nova identidade e uma renovada presença missionária”[92]. Sobre a abertura da primeira comunidade, o Vigário Geral afirma: “Camarate pretende ser uma resposta, de facto, ao pedido do Capítulo de uma comunidade de maior inserção e evangelização; capaz, por isso, de oferecer um laboratório de missão – em colaboração com a Família Comboniana – e de ser, portanto, também uma referência vocacional.” Porém, logo a seguir recorda: “Não podemos esquecer de que estamos nestes contextos pastorais como comunidade missionária e comboniana.”

Na mesma Carta, além do apreço por algumas actividades de animação missionária da Província, nomeadamente pelas publicações “Além-Mar” e “Audácia” e a abertura da comunidade de Camarate, o P. Pelucchi não mencionou qualquer outra iniciativa do sector específico de JPIC levado a cabo pela Província. No entanto, somos do parecer de que deveria ter mencionado, pelo menos, o facto de a comunidade de Camarate fazer parte de uma proposta para se tornar num projecto europeu de presença comboniana significativa entre os imigrantes.[93] Todavia, concordamos com o P. Pelucchi, de modo particular, no que escreveu a respeito das publicações combonianas portuguesas. Na verdade, a direcção das revistas “Além-Mar” e “Audácia” merecem uma moção de louvor em reconhecimento do seu trabalho, porque – como sentinelas alerta, pontual e sistematicamente – têm vindo a informar e a denunciar profeticamente as escravaturas e os problemas sociais e ambientais contemporâneos. Citamos a propósito, e a título de exemplo, os dois temas seguintes: o primeiro sobre a “água”, ao qual a revista “Audácia” de Março passado dedicou toda uma edição[94]; e o segundo sobre o “Tráfico de seres humanos: a escravatura do século XXI”, ao qual a revista “Além-Mar” de Julho/Agosto deste ano deu grande destaque[95].

5.4 Avaliação do ano pastoral de 2012-2013
No encontro de avaliação do ano pastoral de 2012-2013, o P. Alberto de Oliveira Silva, superior provincial, apresentou aos conselheiros, aos superiores das comunidades e secretários provinciais os desafios relacionados com “o contexto nacional e europeu em que vivemos” e que foram referidos pelo P. Alberto Pelucchi na sua “Carta à Província de Portugal”. Na acta do encontro, lê-se que são “o tempo de mudanças, de crise, de esperanças que desafiam a nossa missão hoje e que pedem novas formas de presença. Temos que estar mais abertos à sociedade civil e estar mais presentes no mundo sociopolítico.” Esta constatação vem de algum modo introduzir e justificar a decisão da Província de iniciar em Outubro próximo um “Ano Comboniano”, dedicado ao tema “Comboni profeta e as novas escravaturas”.[96]

Em conclusão, baseando-nos apenas nesta acta do encontro, parece-nos uma avaliação muito genérica, que desce pouco ao concreto das actividades dos diversos sectores, pelo menos no que diz respeito à animação missionária e evangelização, no âmbito da JPIC. Na nossa apreciação, uma avaliação deveria ser tão exaustiva quanto a programação. Neste sentido, seria importante perguntarmo-nos, a metade do sexénio 2011-2016, a que ponto estamos em relação à programação sexenal.

6. Breve resumo sobre os desafios presentes e futuros no âmbito da JPIC
Já foram nomeados acima aqueles que são os principais desafios presentes e futuros para a Igreja e para a sociedade hodierna, e consequentemente, para nós combonianos. Porém, antes de tecermos algumas considerações finais, pensamos em fazer uma breve síntese – pensada ao objectivo desta exposição: alargar os horizontes em vista da programação do próximo ano pastoral da Província Portuguesa –, com a ajuda de outras visões de pessoas nossas conhecidas.

No contexto da temática que estamos a considerar neste ano em todo o Instituto – “Fraternidade: caminhos de reconciliação” – o P. Antonio Villarino, assistente geral, sobre o empenho pela Justiça, Paz e Integridade da Criação como parte da nossa missão comboniana, escreveu: “… embora nem todos façamos tudo, cada um deve participar da missão do todo. Aliás, hoje, é claro que no trabalho quotidiano de animação missionária, de evangelização e de formação não pode faltar a componente de JPIC, assim como no trabalho de JPIC não pode faltar a paixão pelo anúncio do Evangelho e a animação missionária das Igrejas particulares.”[97]

Sendo que o nosso ponto de partida temático tem a ver com as novas escravaturas, numa perspectiva profética, gostaríamos de mencionar, aqui, o que os bispos eméritos brasileiros – D. José Maria Pires, D. Tomás Balduino, e D. Pedro Casaldáliga – escreveram aos seus irmãos no episcopado, no passado dia 15 de Agosto. No documento intitulado “Carta aos bispos do Brasil”[98], os prelados apontam para a urgência de a Igreja “retomar a mística e a espiritualidade do Êxodo” – isto é, “de caminhar junto com os pobres e ao serviço da sua libertação” –, e de “retomar o diálogo com a humanidade”, que o Papa João XXIII iniciou e o Papa Francisco está a acenar. Na verdade, este Pontífice já exprimiu em diversas ocasiões que quer uma Igreja inserida na sociedade. É este o sentido das frases dirigidas aos sacerdotes, na passada Quinta-feira Santa: “quero pastores que conhecem o odor das suas ovelhas”[99] e ainda “quero que a Igreja saia às ruas”[100].

No domingo de Páscoa deste ano, ainda o Santo Padre citou alguns desafios do nosso tempo como, por exemplo, a “violência ligada ao narcotráfico”, a “exploração iníqua dos recursos naturais” e do ambiente, e o tráfico de pessoas, que considerou “a escravatura mais extensa” do nosso século.[101]

O Papa Francisco, com o intuito de combater este flagelo real do tráfico de pessoas e o comércio de órgãos humanos, está a organizar um congresso internacional sobre o tema “O tráfico de pessoas: escravidão moderna. As pessoas indigentes e a mensagem de Jesus Cristo”, que se realizará nos próximos dias 2 e 3 de Novembro de 2013, no Vaticano. O Santo Padre, que experimentou as dramáticas consequências deste tráfico abominável durante o seu episcopado em Buenos Aires, classifica o tráfico de pessoas e o comércio de órgãos como um “crime escandaloso contra a dignidade humana”.

Sobre o tráfico de seres humanos, explica Francesco Occhetta num artigo publicado muito recentemente na revista “La Civiltà Cattolica”: “O tráfico de seres humanos não se refere apenas à prostituição, mas inclui também as adopções ilegais, o tráfico de órgãos, e todos os trabalhos humilhantes ou ilícitos nas fábricas, nas herdades agrícolas, nas estruturas turísticas ou nas casas privadas. Refere-se às pessoas que vivem nas zonas de sombra da sociedade, porque consideradas mercadoria comerciável. Para a Igreja, empenhada em várias frentes internacionais, é urgente fazer com que se torne cultura comum as necessidades das vítimas: respeito e reconhecimento, assistência, protecção, acesso à justiça e à indemnização”.[102]

Um outro desafio ao qual não deveríamos ficar indiferentes – sobretudo aos que trabalham mais em contacto com os jovens – é o drama da desocupação juvenil, e, em particular, na Europa. Segundo o Relatório sobre a Juventude 2013 da Comissão Europeia, as consequências da desocupação juvenil “diminuem a esperança no futuro, impedem a independência económica e social, alimentam a precariedade, pioram as condições de trabalho, entravam a inovação dos processos de produção, desenvolvem as velhas e as novas formas de pobreza, e fazem aumentar as desigualdades.”[103]

Como facilmente se pode constatar, a lista das escravaturas modernas é muito longa. Mencionamos e abordamos apenas algumas. Estas como tantas outras “escravaturas” mereceriam ser aqui assinaladas e, naturalmente, reflectidas mais em profundidade. Assim, falamos dos imigrantes, refugiados e deslocados; da prostituição e de todo o tipo de tráfico humano; da extracção mineira e da destruição massiva da Criação. Como dissemos acima, outros temas poderiam merecer também a nossa atenção, pelo facto de fazerem parte das novas escravaturas, como por exemplo: os desempregados, de um modo especial os jovens; os sem tecto e demais grupos humanos marginalizados, como os drogados; os indígenas e as minorias étnicas, como os ciganos; e ainda temas relacionados com a necessidade da reconciliação e do diálogo, sobretudo intercultural e inter-religioso; o açambarcamento de terras (Land grabbing), e os problemas a ele associados como o controlo da produção alimentar, da água e de outros recursos não renováveis; o comércio de armas e de droga; a evasão fiscal, como factor causador de pobreza e de desigualdades sociais; a falsificação de medicamentos, como traição e exploração dos pobres; entre outros de igual importância. Por exemplo, as escravaturas relacionadas com a espiritualidade, a religião e a fé: a tentação do indiferentismo em relação aos graves problemas do mundo – como denunciou o  Papa Francisco falando da “globalização da indiferença” – e a ausência do questionamento sobre Deus, responsável pelo secularismo crescente nas famílias, nas escolas e universidades, nas instituições, em suma, responsável pelo ateísmo verdadeiro e efectivo que predomina na sociedade ocidental de matiz económico e sociológico neoliberal. Se analisarmos bem, o desespero e a angústia que se vivem hoje na Europa têm as suas origens não só na crise do sistema económico neoliberal, que se revelou insustentável, mas também no indiferentismo religioso, nas suas diversas vertentes.

Depois de um quadro humano e social tão dramático e angustiante, creio que se levanta espontaneamente a pergunta: o que fazer?

Da nossa parte, a única certeza que temos, hoje, é que nós combonianos, sem excepção, estamos “chamados a uma renovada profecia”, a uma renovada audácia, como nos diz o último Capítulo Geral: “Pensamos que neste tempo, mais do que em qualquer outro, os Missionários Combonianos sejam chamados a ser mais corajosos, a ousar, a ultrapassar todas as fronteiras para criar novos espaços de missão. É tempo de pôr de parte projectos individualistas para assumir aqueles outros marcados pela fidelidade ao Evangelho, à Igreja e ao Instituto. É necessário repetir que estes projectos devem ser sempre fruto de um discernimento comum.”[104]

Conclusão
Claro que compete agora a esta Assembleia Provincial tirar as suas conclusões e decidir sobre o que fazer. Contudo, permitimo-nos também tecer algumas reflexões pessoais.

Antes de mais nada, as primeiras palavras que gostaríamos de dizer é que agora não devemos pensar que todos os combonianos devem estar igual e directamente empenhados em todas as áreas da JPIC. Contudo, para sermos fiéis à vocação e à missão comboniana, a Província Portuguesa – e do mesmo modo cada uma das Circunscrições combonianas – deveria optar por uma ou duas prioridades (de entre tantas “escravaturas”) e disponibilizar algum ou alguns dos seus membros para se dedicarem a tempo inteiro e com competência a essa ou essas mesmas prioridades. Tendo presente os documentos recentes do Instituto e, em particular, das circunscrições europeias e dos fóruns sociais mundiais e combonianos, parece-nos notória a insistência nos seguintes temas: o tráfico de pessoas e a mobilidade humana (migrações); a justiça social e ambiental, ou seja o cuidado da Criação; e o dialogo inter-religioso e intercultural. Mais concreto ainda para o caso português , parece-nos que o tema do futuro da comunidade de Camarate e o empenho com os imigrantes merece uma particular atenção, maior aprofundamento e concretização.

A segunda reflexão vem na sequência da anterior. Estamos convencidos de que devemos ter na visão e missão combonianas de evangelização e animação missionária uma forte sensibilidade para os problemas concretos da sociedade pós-moderna (para a paz, as injustiças sociais e ambientais, os imigrantes, a água, e todos os outros atrás nomeados), mesmo que estes não façam parte do nosso carisma específico. É verdade que para a maioria das realidades citadas, e sobretudo na Europa, há já muitas organizações governamentais e não governamentais e institutos religiosos cuja vocação e carisma estão focalizados nas escravaturas actuais. Por exemplo, o carisma dos scalabrinianos pelos migrantes e pelos problemas derivados da mobilidade humana.[105] No entanto, é igualmente verdade que – e o afirmamos nos nossos documentos – pesa sobre nós a obrigação de colaborar com todas as organizações da sociedade civil e com os demais institutos religiosos na luta pela erradicação de todas as escravaturas que avassalam a pessoa humana e os povos.

A terceira reflexão, e última, deveria ser sobre a herança que nos legou Comboni na luta contra a escravatura. Mas vou dar por descontada. Em vez disso, esta última reflexão pessoal está relacionada com as afirmações e as atitudes do recentemente eleito Papa Francisco. Desde a sua eleição a 13 de Março de 2013 até à sua última viagem, em fins de Julho ao Brasil, que juntou mais de três milhões de pessoas de todo o mundo – na maioria jovens –, perguntamo-nos sobre o porquê da atracção e da admiração de tantas pessoas, crentes e não crentes, por este novo Pontífice. A resposta parece-nos evidente: o nome que escolheu e a explicação do porquê do nome Francisco; o ir pessoalmente pagar a conta da hospedagem na Casa Internacional do Clero, já depois de ter sido escolhido Papa; e os tantos pequenos gestos, aparentemente insignificantes, como a rejeição de certos paramentos, dos sapatos vermelhos, da cruz e anel de ouro, e da própria suite papal; o deslocar-se dentro e fora do Vaticano com carros mais humildes, o levar a sua própria pasta pessoal, em momentos de protocolo; o ir visitar, falar e cumprimentar os trabalhadores dos serviços mais humildes do Vaticano; enfim, e tantos, tantos outros gestos e atitudes como o sorriso, os abraços e os beijos, a sua aproximação das pessoas, em particular dos doentes, dos portadores de deficiências, dos reclusos, das crianças e dos anciãos, dos imigrantes, dos habitantes das favelas. E também, claro, o uso de palavras e discursos simples, mas profundos, e a abordagem de temas relacionados com os graves problemas da actualidade, como os conflitos armados na Síria, no Egipto, entre outros. Atitudes e discursos simples, é verdade, mas plenamente ancorados na Palavra de Deus, em Jesus Cristo e na Fé cristã.

Tal como Comboni, não é o Papa Francisco um bom paradigma de missionário hodierno para o imitarmos? Se sim, depois deveríamos ter, também nós, os nossos seguidores, admiradores, benfeitores, e, quem sabe, também vocações.

Obrigado pela vossa paciência.
Viseu, 7 de Setembro de 2013
P. Arlindo Ferreira Pinto

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Perguntas para o trabalho de grupo

  1. Quais são as escravaturas actuais – no âmbito da Justiça, Paz e Integridade da Criação – que considero importantes e fundamentais para ter em conta na nossa programação pastoral missionária do ano de 2013-2014, no contexto da sociedade portuguesa dos nossos dias?
  2. Qual dessas escravaturas me parece prioritária e o que podemos e devemos fazer como combonianos?

 


Notas de rodapé


[1] O Conselho Geral escreveu na Consulta de Junho de 2013: “No dia 5 de Outubro de 2003, era canonizado São Daniel Comboni. Este ano ocorre o 10º aniversário. São Daniel Comboni é uma figura que agora pertence a toda a Igreja. Por isso, apelamos a todas as comunidades para solenizar esta efeméride com as populações, aproveitando a ocasião para dar a conhecer mais a fundo a figura e o espírito do nosso Fundador.” (Familia Comboniana 710, Julho-Agosto 2013).

[2] Por exemplo, a escravatura nos Estados Unidos da América foi abolida no dia 1 de Janeiro de 1863; e no Brasil, no dia 13 de Maio de 1888.

[3] A expressão é do Papa Francisco. Esta declaração foi feita durante a celebração da Eucaristia em Lampedusa, Itália, no dia 8 de Julho 2013, para denunciar a “indiferença” do mundo em relação aos imigrantes que arriscam as suas vidas em busca de uma vida melhor. O Santo Padre deslocou-se a Lampedusa para mostrar a sua solidariedade com os muitos milhares de imigrantes clandestinos que partem da África do Norte em direcção à Europa, e para rezar pelas várias centenas de vítimas dos que perderam a vida, engolidos pelas águas do mar Mediterrâneo.

[4] Lc 4, 16-21: “Jesus dirigiu-se a Nazaré, onde se havia criado. Entrou na sinagoga em dia de sábado, segundo o seu costume, e levantou-se para ler. Foi-lhe dado o livro do profeta Isaías. Desenrolando o livro, escolheu a passagem onde está escrito [Is. 61,1s.] O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu; e enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres, para sarar os contritos de coração, para anunciar aos cativos a redenção, aos cegos a restauração da vista, para pôr em liberdade os cativos, para publicar o ano da graça do Senhor. E enrolando o livro, deu-o ao ministro e sentou-se; todos quantos estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele. Ele começou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu este oráculo que vós acabais de ouvir.”

[5] As Bem-aventuranças em Mt 5, 1-12: “Ao ver a multidão, Jesus subiu a um monte. Depois de se ter sentado, os discípulos aproximaram-se dele. Então tomou a palavra e começou a ensiná-los, dizendo: «Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu. Felizes os que choram, porque serão consolados. Felizes os mansos, porque possuirão a terra. Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Felizes os puros de coração, porque verão a Deus. Felizes os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus. Felizes os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o Reino do Céu. Felizes sereis, quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque grande será a vossa recompensa no Céu; pois também assim perseguiram os profetas que vos precederam.” Cfr. também Lc 6, 20-26.

[6] As sete obras de misericórdia corporais: Dar de comer a quem tem fome; Dar de beber a quem tem sede; Vestir os nus; Dar pousada aos peregrinos; Assistir aos enfermos; Visitar os presos; e Enterrar os mortos. E as sete obras de misericórdia espirituais: Dar bom conselho; Ensinar os ignorantes; Corrigir os que erram; Consolar os aflitos; Perdoar as injúrias; Sofrer com paciência as fraquezas do nosso próximo; e Rogar a Deus por vivos e defuntos.

[7] Mt 25, 31-46: “Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado por todos os seus anjos, há-de sentar-se no seu trono de glória. Perante Ele, vão reunir-se todos os povos e Ele separará as pessoas umas das outras, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. À sua direita porá as ovelhas e à sua esquerda, os cabritos.
O Rei dirá, então, aos da sua direita: 'Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo.'
Então, os justos vão responder-lhe: 'Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? Quando te vimos peregrino e te recolhemos, ou nu e te vestimos? E quando te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-te?' E o Rei vai dizer-lhes, em resposta: 'Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes.'
Em seguida dirá aos da esquerda: 'Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que está preparado para o diabo e para os seus anjos! Porque tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber, era peregrino e não me recolhestes, estava nu e não me vestistes, doente e na prisão e não fostes visitar-me.' Por sua vez, eles perguntarão: 'Quando foi que te vimos com fome, ou com sede, ou peregrino, ou nu, ou doente, ou na prisão, e não te socorremos?' Ele responderá, então: 'Em verdade vos digo: Sempre que deixastes de fazer isto a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer.'
Estes irão para o suplício eterno, e os justos, para a vida eterna.”

[8] O Papa Bento XVI disse na “lectio divina” feita na Basílica de São João de Latrão, em Roma, no 11 de Junho de 2012: “O cristianismo não é uma coisa puramente espiritual, uma coisa apenas subjectiva, do sentimento, da vontade, de ideias, mas é uma realidade cósmica. Deus é o Criador de toda a matéria, a matéria entra no cristianismo, e só neste grande contexto de matéria e espírito juntos somos cristãos. É muito importante, pois, que a matéria faça parte da nossa fé, o corpo faça parte da nossa fé. A fé não é puramente espiritual, mas Deus insere-nos assim em toda a realidade do cosmos e transforma o cosmos, puxa-o a si.”

[9] Uma missão que – como diz S. Paulo aos Coríntios, falando da ressurreição dos mortos – subsistirá até “quando todas as coisas lhe tiverem sido submetidas, então o próprio Filho se submeterá àquele que tudo lhe submeteu, a fim de que Deus seja tudo em todos”. (1 Cor 15, 28).

[10] Ap 22, 1-17; cfr. Ap 5, 1-14.

[11] Ermes Ronchi, “Sulla soglia della vita – per una Parola che accenda il cuore”, San Paolo, Torino, 2012, pág. 13.

[12] Estes documentos que serão mencionados a seguir fundamentam-se, em grande parte, nas novas correntes nascidas no Concílio Ecuménico Vaticano II, e em particular na Constituição pastoral “Gaudium et spes” sobre a Igreja no mundo actual, de 7 de Dezembro de 1965, assinada pelo Papa Paulo VI.

[13] Foi na Conferência de Medellín que surgiu e ganhou corpo o conceito de “opção pelos pobres”. As injustiças haviam atingido tais proporções na América Latina que os bispos a classificaram de “violência institucionalizada” (n. 3). “Se o cristão crê na fecundidade da paz para chegar à justiça, crê também que a justiça é condição imprescindível da paz. Não deixa de ver que a América Latina encontra-se, em muitas partes, numa situação de injustiça que pode chamar-se de violência institucionalizada”. (Paz, n. 16).
Os bispos, referindo-se à pobreza da Igreja, no n. 14.8, afirmam: “Devemos tornar mais aguda a consciência do dever de solidariedade para com os pobres; exigência da caridade. Esta solidariedade implica em tornar nossos os seus problemas e as suas lutas e em saber falar por eles. Isto há de se concretizar na denúncia da injustiça e da opressão, na luta contra a intolerável situação suportada frequentemente pelo pobre, na disposição de dialogar com os grupos responsáveis por essa situação, para fazê-los compreender as suas obrigações.”

[14] A Conferência de Puebla volta a assumir a opção preferencial e solidária pelos pobres: “Afirmamos a necessidade de conversão de toda a Igreja para uma opção preferencial pelos pobres, no intuito da sua integral libertação. (Puebla, n. 1134).
O documento de Puebla refere-se umas 25 vezes às diversas escravidões que afectam as pessoas e a sociedade latino-americana. Algumas vezes relacionadas com o pecado, mas a maioria das vezes entendidas como novas escravaturas. “Tenhamos presente, por outro lado, que a acção da Igreja em campos como os da promoção humana, do desenvolvimento, da justiça, dos direitos da pessoa, quer estar sempre a serviço do homem; e ao homem tal como o vê na, visão cristã da antropologia que adopta. Não necessita pois recorrer a sistemas e ideologias para amar, defender e colaborar na libertação do homem: no centre da mensagem da qual é depositária e anunciadora, ela encontra inspiração para agir em favor da fraternidade, da justiça, da paz, contra todas as dominações, escravidões, discriminações, violências, atentados à liberdade religiosa, agressões contra o homem e tudo que atenta contra a vida.” (n. 355).
Todo o ponto 4, faz a leitura estrutural da realidade do Continente: “O novo lugar social leva a Igreja não só a ler dialecticamente o presente, mas também o passado da América Latina. Nesse passado, encontra luzes (evangelização presente, desde o início, na formação dos povos latino-americanos, irradiação dos santos e intrépidos defensores da justiça) e sombras (cumplicidade, muitas vezes, com os poderes dominantes; problema dos escravos africanos em prol dos quais a Igreja quase nada fez no plano da evangelização e libertação) (cf. 13). Com relação ao futuro, ela se propõe, no plano da evangelização, entre outras coisas, a defender a libertação integral, que inclui e ultrapassa o quadro da existência temporal (cf. 141). Enfim, colocando-se mais dentro do universo dos pobres, a Igreja é levada a valorizar mais a sua cultura e religiosidade (cf. 447, 444, 469, 936).”
Segundo Puebla, “o homem cai na escravidão quando diviniza ou absolutiza a riqueza, o poder, o Estado, o sexo, o prazer ou qualquer criatura de Deus, inclusive seu próprio ser ou sua razão humana.” (n. 491).
Numa breve reflexão sobre a violência política, os prelados dizem: “Com igual decisão a Igreja repele a violência terrorista e guerrilheira, cruel e incontrolável quando se desencadeia. De nenhum modo se justifica o crime como caminho de libertação. A violência gera inexoravelmente novas formas de opressão e escravidão, geralmente mais graves do que aquelas das quais se pretende libertar e homem. Mas, sobretudo, é um atentado contra a vida que só depende do Criador.” (532).

[15] Há duas afirmações cruciais no documento dos bispos de Santo Domingo, que acho importante citar. A primeira, para percebermos o estado de espírito dos bispos, quando reflectem sobre os desafios pastorais do seu tempo: “O crescente empobrecimento a que estão submetidos milhões de irmãos nossos, que chega a intoleráveis extremos de miséria, é o mais devastador e humilhante flagelo que vive a América Latina e Caribe. (…). A nós, pastores, comove-nos até as entranhas ver continuamente a multidão de homens e mulheres, crianças e jovens e anciãos que sofrem o insuportável peso da miséria assim como diversas formas de exclusão social, étnica e cultural; são pessoas humanas concretas e irredutíveis que vêem seus horizontes cada vez mais fechados e a sua dignidade desconhecida.” (n. 179).
A segunda afirmação, é para sublinhar o que os bispos entendem por evangelização: “Evangelizar é fazer o que Jesus Cristo fez, quando mostrou na sinagoga que veio para ‘evangelizar’ os pobres (cf. Lc 4,18-19). Ele ‘fez-se pobre, embora fosse rico, para nos enriquecer com a sua pobreza’ (2 Cor 8,9). Ele desafia-nos a dar testemunho autêntico de pobreza evangélica em nosso estilo de vida e em nossas estruturas eclesiais, tal qual Ele fez. Esta é a fundamentação que nos compromete numa opção evangélica e preferencial pelos pobres, firme e irrevogável, mas não exclusiva e nem excludente, tão solenemente afirmada nas Conferências de Medellín e Puebla.” (n. 178).

[16] Na Conferência de Aparecida, no Brasil, estiveram presentes o Papa Bento XVI e o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, hoje Papa Francisco. No discurso inaugural, Bento XVI tocou o tema da opção pelos pobres: “A opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para enriquecer-nos com a sua pobreza” (cf. 2Cor 8,9).
Esta alusão do Papa aparece depois no documento final, no n. 392: “A nossa fé proclama que ‘Jesus Cristo é o rosto humano de Deus e o rosto divino do homem’. Por isso, ‘a opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para nos enriquecer com sua pobreza’. Essa opção nasce de nossa fé em Jesus Cristo, o Deus feito homem, que se fez nosso irmão (cf. Hb 2,11-12). Opção, no entanto, não exclusiva, nem excludente.”
Por sua vez, no n. 393, os bispos concluem: “Se essa opção está implícita na fé cristológica, os cristãos, como discípulos e missionários, são chamados a contemplar, nos rostos sofredores de nossos irmãos, o rosto de Cristo que nos chama a servi-lo neles: ‘Os rostos sofredores dos pobres são rostos sofredores de Cristo’. Eles desafiam o núcleo do trabalho da Igreja, da pastoral e de nossas atitudes cristãs. Tudo o que tenha relação com Cristo tem relação com os pobres, e tudo o que está relacionado com os pobres clama por Jesus Cristo: ‘Tudo quanto vocês fizeram a um destes meus irmãos menores, o fizeram a mim’ (Mt 25,40).”
Sobre as atitudes dos verdadeiros missionários, diz o documento: “Ser discípulos e missionários significa assumir a atitude de compaixão e cuidado do Pai, que se manifestam na acção libertadora de Jesus. A Igreja defende os autênticos valores culturais de todos os povos, especialmente dos oprimidos, indefesos e marginalizados, diante da força avassaladora das estruturas de pecado manifestas na sociedade moderna. Conhecer os valores culturais, a história e as tradições dos afro-americanos, entrar em diálogo fraterno e respeitoso com eles, é um passo importante na missão evangelizadora da Igreja. (n. 532)”.
Referindo-se à ordem justa de que o Continente precisa, o Papa Bento XVI afirmou: “A América Latina e o Caribe não devem ser só o Continente da esperança. Além disso, devem também abrir caminhos para a civilização do amor; para que nossa casa comum seja um continente da esperança, do amor, da vida e da paz há que ir, como bons samaritanos, ao encontro das necessidades dos pobres e dos que sofrem e criar as estruturas justas que são uma condição sem a qual não é possível uma ordem justa na sociedade.” (n. 537).
Sobre o meio-ambiente e os territórios indígenas, Aparecida diz: “A crescente agressão ao meio-ambiente pode servir de pretexto para propostas de internacionalização da Amazónia, que só servem aos interesses económicos das corporações internacionais. A sociedade pan-amazónica é pluriétnica, pluricultural e plurirreligiosa. Nela, cada vez mais, se intensifica a disputa pela ocupação do território. As populações tradicionais da região querem que os seus territórios sejam reconhecidos e legalizados. (n. 86; cfr. também os n. 122 e 126).
Finalmente, duas referências à ecologia e a salvaguarda da Criação:
“A Igreja agradece a todos os que se ocupam com a defesa da vida e do ambiente. É necessário dar especial importância à mais grave destruição em curso da ecologia humana. A Igreja está próxima aos homens do campo que, com amor generoso, trabalham duramente a terra para tirar, à vezes em condições extremamente difíceis, o sustento para suas famílias e levar os frutos da terra a todos. Valoriza especialmente os indígenas por seu respeito à natureza e pelo amor à mãe terra como fonte de alimento, casa comum e altar da partilha humana.” (n. 472).
“Procurar um modelo de desenvolvimento alternativo, integral e solidário, baseado em uma ética que inclua a responsabilidade por uma autêntica ecologia natural e humana, que se fundamenta no evangelho da justiça, da solidariedade e do destino universal dos bens, e que supere a lógica utilitarista e individualista, que não submete os poderes económicos e tecnológicos a critérios éticos. Portanto, estimular nossos homens do campo a se organizarem de tal maneira que possam conseguir sua justa reivindicação.” (n. 474; cfr. ainda o n. 491).

[17] O termo BRIC refere-se às iniciais dos actuais quatro países emergentes Brasil, Rússia, Índia e China, que devido às suas características económicas e sociais comuns – tais como: economia estabilizada e PIB (Produto Interno Bruto) em crescimento; situação política actual bastante estável; muita mão-de-obra e em processo de qualificação; níveis de produção e exportação em crescimento; boas reservas de recursos minerais; grande volume de investimentos em infra-estruturas (estradas, caminhos de ferro, portos, aeroportos, centrais eléctricas, entre outras); índices sociais em processo de melhorias; diminuição, ainda que lenta, das desigualdades sociais; rápido acesso da população aos sistemas de comunicação (celulares e Internet); presença nos mercados de capitais (Bolsas de Valores); grandes investimentos económicos no próprio país e no estrangeiro – se tornaram em poucos anos numa grande potência económica.

[18] Gustavo Gutiérrez, e Gerhard Ludwig Müller (prefetto della Congregazione per la Dottrina della fede), “Dalla parte dei poveri. Teologia della liberazione, teologia della Chiesa”, Padova-Bologna, Edizioni Messaggero – Editrice Missionaria Italiana, 2013, pág. 150; citado por Ugo Sartorio, “Una Chiesa che ha bisogno di tutti”, in: “L’Osservatore Romano”, Cidade do Vaticano, Ano CLIII, n. 201 (46.445), 4 de Setembro 2013, pág. 5.

[19] Papa João Paulo II, A Exortação apostólica pós-sinodal “Ecclesia in Africa” sobre a Igreja em África e a sua missão evangelizadora rumo ao ano 2000, 14 de Setembro de 1995.

“Ecclesia in Africa” usa duas vezes a palavra escravatura. Referindo-se a Jesus e à Boa Nova, afirma: “É Deus que salva o Africano (...) da opressão e da escravatura”, pelo que “a evangelização deve atingir o homem e a sociedade em todos os níveis da sua existência. Aquela exprime-se, portanto, em actividades diversas, nomeadamente nas que foram tomadas especificamente em consideração pelo Sínodo: anúncio, inculturação, diálogo, justiça e paz, meios de comunicação social.” (n. 57). E denominando as dificuldades sociopolíticas do Continente, diz: Todos os documentos preparatórios, bem como os debates no decorrer da Assembleia, puseram largamente em evidência o facto de fazerem parte dos desafios fundamentais examinados pelo Sínodo questões como o aumento da pobreza em África, a urbanização, a dívida internacional, o comércio das armas, o problema dos refugiados e deslocados, os problemas demográficos e as ameaças que pesam sobre a família, a emancipação das mulheres, a propagação da SIDA, a sobrevivência em alguns lugares da prática da escravatura, o etnocentrismo e as oposições tribais. (…) Tudo isto constitui um desafio para a evangelização.” (n. 51).

[20] Papa Bento XVI, A Exortação apostólica pós-sinodal “Africae munus” sobre a Igreja na África ao serviço da reconciliação, da justiça e da paz, 19 de Novembro de 2011.
A “Africa múnus”, logo na introdução, refere-se à antiga e às “novas formas de escravatura” em África: “A memória da África guarda a dolorosa recordação das cicatrizes deixadas pelas lutas fratricidas entre as etnias, pela escravatura e pela colonização. Ainda hoje o continente se vê confrontado com rivalidades, com novas formas de escravatura e de colonização.” (n. 9).

[21] Papa Bento XVI, A Exortação apostólica pós-sinodal “Verbum Domini” sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja, 30 de Setembro de 2010.

[22] O “Instrumentum laboris” da XIII assembleia geral ordinária do Sínodo dos bispos sobre a nova evangelização para a transmissão da fé cristã, Outubro de 2012.

[23] O Papa Bento XVI dividiu a Exortação apostólica “Verbum Domini” em três partes: “Verbum Dei”, “Verbum in Ecclesia”, e “Verbum Mundo”. Esta última subdividiu-a em quatro temas: A missão da Igreja: anunciar a palavra de Deus ao mundo (nn. 90-98); Palavra de Deus e compromisso no mundo (nn. 99-108); Palavra de Deus e culturas (nn. 109-116); e Palavra de Deus e diálogo inter-religioso (nn. 117-120).

[24] “A necessidade da «missio ad gentes»: Ao exortar todos os fiéis para o anúncio da Palavra divina, os Padres sinodais reafirmaram a necessidade, no nosso tempo também, de um decidido empenho na missio ad gentes. A Igreja não pode de modo algum limitar-se a uma pastoral de «manutenção» para aqueles que já conhecem o Evangelho de Cristo. O ardor missionário é um sinal claro da maturidade de uma comunidade eclesial. Além disso, os Padres exprimiram vivamente a consciência de que a Palavra de Deus é a verdade salvífica da qual tem necessidade cada homem em todo o tempo. Por isso, o anúncio deve ser explícito. A Igreja deve ir ao encontro de todos com a força do Espírito (cf. 1 Cor 2, 5) e continuar profeticamente a defender o direito e a liberdade das pessoas escutarem a Palavra de Deus, procurando os meios mais eficazes para a proclamar, mesmo sob risco de perseguição. A todos a Igreja se sente devedora de anunciar a Palavra que salva (cf. Rm 1, 14).” (n. 95).

[25] “(…) No capítulo vinte e cinco do Evangelho de Mateus, o Filho do Homem considera como feito ou não feito a Si aquilo que tivermos feito ou deixado de fazer a um só dos seus «irmãos mais pequeninos» (25, 40.45): «Tive fome e destes-Me de comer, tive sede e destes-Me de beber; era peregrino e recolhestes-Me; estava nu e destes-Me de vestir; adoeci e visitastes-Me; estive na prisão e fostes ter comigo» (25, 35-36). Deste modo, é a própria Palavra de Deus que nos recorda a necessidade do nosso compromisso no mundo e a nossa responsabilidade diante de Cristo, Senhor da História. Quando anunciamos o Evangelho, exortamo-nos reciprocamente a cumprir o bem e a empenhar-nos pela justiça, pela reconciliação e pela paz.” (Verbum Domini, n. 99).

[26] “A Palavra de Deus impele o homem para relações animadas pela rectidão e pela justiça, confirma o valor precioso aos olhos de Deus de todas as fadigas do homem para tornar o mundo mais justo e mais habitável. A própria Palavra de Deus denuncia, sem ambiguidade, as injustiças e promove a solidariedade e a igualdade. À luz das palavras do Senhor, reconheçamos pois os «sinais dos tempos» presentes na história, não nos furtemos ao compromisso em favor de quantos sofrem e são vítimas do egoísmo. O Sínodo lembrou que o compromisso pela justiça e a transformação do mundo é constitutivo da evangelização. (…) Com este objectivo, os Padres sinodais dirigiram um pensamento particular a quantos estão empenhados na vida política e social. A evangelização e a difusão da Palavra de Deus devem inspirar a sua acção no mundo à procura do verdadeiro bem de todos, no respeito e promoção da dignidade de toda a pessoa. Certamente não é tarefa directa da Igreja criar uma sociedade mais justa, embora lhe caiba o direito e o dever de intervir sobre as questões éticas e morais que dizem respeito ao bem das pessoas e dos povos.” (…) Além disso, quero chamar a atenção geral para a importância de defender e promover os direitos humanos de toda a pessoa, que, como tais, são «universais, invioláveis e inalienáveis». A Igreja aproveita a ocasião extraordinária oferecida pelo nosso tempo para que a dignidade humana, através da afirmação de tais direitos, seja mais eficazmente reconhecida e promovida universalmente, como característica impressa por Deus criador na sua criatura, assumida e redimida por Jesus Cristo através da sua encarnação, morte e ressurreição. Por isso a difusão da Palavra de Deus não pode deixar de reforçar a consolidação e o respeito dos direitos humanos de cada pessoa.” (Verbum Domini, nn. 100-101).

[27] “Dentre os numerosos âmbitos de compromisso, o Sínodo recomendou vivamente a promoção da reconciliação e da paz. No contexto actual, é grande a necessidade de descobrir a Palavra de Deus como fonte de reconciliação e de paz, porque nela Deus reconcilia em Si todas as coisas (cf. 2 Cor 5, 18-20; Ef 1, 10): Cristo «é a nossa paz» (Ef 2, 14), Aquele que derruba os muros de divisão. Muitos testemunhos no Sínodo comprovaram os graves e sangrentos conflitos e as tensões presentes no nosso planeta. Às vezes tais hostilidades parecem assumir o aspecto de conflito inter-religioso. Quero uma vez mais reafirmar que a religião nunca pode justificar a intolerância ou as guerras. Não se pode usar a violência em nome de Deus! Toda a religião devia impelir para um uso correcto da razão e promover valores éticos que edifiquem a convivência civil.
Fiéis à obra de reconciliação realizada por Deus em Jesus Cristo, crucificado e ressuscitado, os católicos e todos os homens de boa vontade empenhem-se por dar exemplos de reconciliação para se construir uma sociedade justa e pacífica. Nunca esqueçamos que «onde as palavras humanas se tornam impotentes, porque prevalece o trágico clamor da violência e das armas, a força profética da Palavra de Deus não esmorece e repete-nos que a paz é possível e que devemos, nós mesmos, ser instrumentos de reconciliação e de paz».”(Verbum Domini, n. 102).

[28] “A Palavra de Deus torna-nos atentos à história e a tudo o que de novo germina nela. Por isso o Sínodo quis, a propósito da missão evangelizadora da Igreja, fixar a atenção também no fenómeno complexo dos movimentos migratórios, que tem assumido nestes anos proporções inéditas. Aqui levantam-se questões bastante delicadas relativas à segurança das nações e ao acolhimento que se deve oferecer a quantos buscam refúgio, melhores condições de vida, saúde, trabalho. Um grande número de pessoas, que não conhece Cristo ou possui uma imagem imperfeita d’Ele, estabelece-se em países de tradição cristã. Ao mesmo tempo pessoas que pertencem a povos marcados profundamente pela fé cristã emigram para países onde há necessidade de levar o anúncio de Cristo e de uma nova evangelização. Estas novas situações oferecem novas possibilidades para a difusão da Palavra de Deus. A este propósito, os Padres sinodais afirmaram que os migrantes têm o direito de ouvir o kerygma, que lhes é proposto, não imposto. Se forem cristãos, necessitam de uma assistência pastoral adequada para fortalecer a fé e serem eles mesmos portadores do anúncio evangélico. Conscientes da complexidade do fenómeno, é necessário que todas as dioceses interessadas se mobilizem para que os movimentos migratórios sejam considerados também como ocasião para descobrir novas modalidades de presença e de anúncio e se proveja, segundo as próprias possibilidades, a um condigno acolhimento e animação destes nossos irmãos para que, tocados pela Boa Nova, se façam eles mesmos anunciadores da Palavra de Deus e testemunhas do Senhor Ressuscitado, esperança do mundo.” (Verbum Domini, n. 105).

[29] “A Sagrada Escritura manifesta a predilecção de Deus pelos pobres e necessitados (cf. Mt 25, 31-46). Com frequência, os Padres sinodais lembraram a necessidade de que o anúncio evangélico e o empenho dos pastores e das comunidades se dirijam a estes nossos irmãos. Com efeito, «os primeiros que têm direito ao anúncio do Evangelho são precisamente os pobres, necessitados não só de pão mas também de palavras de vida». A diaconia da caridade, que nunca deve faltar nas nossas Igrejas, tem de estar sempre ligada ao anúncio da Palavra e à celebração dos santos mistérios. Ao mesmo tempo é preciso reconhecer e valorizar o facto de que os próprios pobres são também agentes de evangelização. Na Bíblia, o verdadeiro pobre é aquele que se confia totalmente a Deus e, no Evangelho, o próprio Jesus chama-os bem-aventurados, «porque deles é o reino dos céus» (Mt 5, 3; cf. L c 6, 20). O Senhor exalta a simplicidade de coração de quem reconhece em Deus a verdadeira riqueza, coloca n’Ele a sua esperança e não nos bens deste mundo. A Igreja não pode desiludir os pobres: «Os pastores são chamados a ouvi-los, a aprender deles, a guiá-los na sua fé e a motivá-los para serem construtores da própria história».
A Igreja está ciente também de que existe uma pobreza que é virtude a cultivar e a abraçar livremente, como fizeram muitos Santos, e há a miséria, muitas vezes resultante de injustiças e provocada pelo egoísmo, que produz indigência e fome e alimenta os conflitos. Quando a Igreja anuncia a Palavra de Deus sabe que é preciso favorecer um «círculo virtuoso» entre a pobreza «que se deve escolher» e a pobreza «que se deve combater», redescobrindo «a sobriedade e a solidariedade como valores simultaneamente evangélicos e universais. (…) Isto obriga a opções de justiça e de sobriedade».” (Verbum Domini, n. 107).

[30] “O compromisso no mundo requerido pela Palavra divina impele-nos a ver com olhos novos todo o universo criado por Deus e que traz já em si os vestígios do Verbo, por Quem tudo foi feito (cf. Jo1, 2). Com efeito, há uma responsabilidade que nos compete como fiéis e anunciadores do Evangelho também a respeito da criação. A revelação, ao mesmo tempo que nos dá a conhecer o desígnio de Deus sobre o universo, leva-nos também a denunciar os comportamentos errados do homem, quando não reconhece todas as coisas como reflexo do Criador, mas mera matéria que se pode manipular sem escrúpulos. Deste modo, falta ao homem aquela humildade essencial que lhe permite reconhecer a criação como dom de Deus que se deve acolher e usar segundo o seu desígnio. Ao contrário, a arrogância do homem que vive como se Deus não existisse, leva a explorar e deturpar a natureza, não a reconhecendo como uma obra da Palavra criadora. Neste quadro teológico, desejo lembrar as afirmações dos Padres sinodais ao recordarem que o facto de «acolher a Palavra de Deus atestada na Sagrada Escritura e na Tradição viva da Igreja gera um novo modo de ver as coisas, promovendo um ecologia autêntica, que tem a sua raiz mais profunda na obediência da fé, (…) e desenvolvendo una renovada sensibilidade teológica sobre a bondade de todas as coisas, criadas em Cristo». O homem precisa de ser novamente educado para se maravilhar, reconhecendo a verdadeira beleza que se manifesta nas coisas criadas.” (Verbum Domini, n. 108).

[31] Cfr. “Instrumentum laboris”, nn. 21-23. “A mesma arte de Jesus de privar com os homens é considerada como elemento essencial do método evangelizador de Jesus. Ele foi capaz de acolher a todos, sem descriminação nem exclusões: em primeiro lugar os pobres, depois os ricos como Zaqueu e José de Arimateia, os estrangeiros como o centurião e a mulher siro-fenícia; os homens justos como Natanael, ou as prostitutas, os pecadores públicos, com os quais esteve à mesa. Jesus sabia chegar ao íntimo do homem e gerá-lo na fé em Deus que, acima de tudo, ama (cf. 1Gv 4,10.19), cujo amor nos precede sempre e não depende dos nossos méritos, porque é a sua própria essência: «Deus é amor» (1Gv 4,8.16). Ele torna-se assim modelo para a Igreja evangelizadora, mostrando-lhe o fundamento da fé cristã: acreditar no amor mediante o rosto e a voz deste amor, isto é, através de Jesus Cristo.” (n. 23).
“(…) No início do seu ministério, Ele (Jesus) proclama ter sido enviado a anunciar aos pobres a boa nova (cf. Lc 4,18). A todas as vítimas da recusa e do desprezo declara: «Bem-aventurados, vós, os pobres» (Lc 6,20); por outro, a estes marginalizados, fá-los viver já uma experiência de libertação estando com eles (cf. Lc 5,30; 15,2), comendo com eles, tratando-os como iguais e amigos (cf. Lc 7,34), ajudando-os a sentirem-se amados por Deus e revelando assim a sua imensa ternura pelos necessitados e pecadores. A libertação e a salvação transmitidas pelo Reino de Deus alcançam a pessoa humana nas suas dimensões quer físicas quer espirituais. Dois gestos acompanham a acção evangelizadora de Jesus: o curar e o perdoar. (…).” (nn. 28-29).

[32] “Em primeiro lugar, antes de mais, deve ser indicado o cenário de fundo cultural. Apresentado já nas grandes linhas no parágrafo precedente, deste cenário as várias respostas sublinharam com enfâse a dinâmica secularizadora que o anima. Radicada de modo particular no mundo ocidental, a secularização é fruto de episódios e movimentos sociais e de pensamento que marcaram em profundidade a história e a identidade. Ela apresenta-se hoje nas nossas culturas através da imagem positiva da libertação, da possibilidade de imaginar a vida do mundo e da humanidade sem referência à transcendência.” (“Instrumentum laboris”, n. 52).

[33] “A par deste primeiro cenário cultural, foi indicado um segundo, mais social: o grande fenómeno migratório que leva cada vez mais as pessoas a deixar os seus países de origem e a viver em contextos urbanizados. (…). Ligada à difusão da secularização, o êxito cultural destes processos é um clima de estrema mobilidade, dentro do qual diminui o espaço para as grandes tradições, inclusive religiosas. A este cenário social está ligado o chamado fenómeno da globalização, realidade de não fácil explicação, que exige aos cristãos um enorme trabalho de discernimento. (…).” (“Instrumentum laboris”, n. 55).

[34] “ Ao cenário migratório, as respostas aos Lineamenta associaram em modo estreito um terceiro cenário, que está a marcar de modo cada vez mais determinante as nossas sociedades: o cenário económico. Em grande parte por causa do fenómeno das migrações, o cenário económico foi destacado pelas tensões e as formas de violência que a ele estão associadas, seguido das desigualdades que provoca no interior das nações e também entre elas. Em muitas respostas, provenientes não apenas dos Países em vias de desenvolvimento, foi denunciado um claro e decisivo aumento do desfasamento entre ricos e pobres. Inumeráveis vezes, o Magistério dos Sumos Pontífices denunciou os crescentes desequilíbrios entre Norte e Sul do mundo, no acesso e na distribuição dos recursos, como também na danificação da criação. A permanência da crise económica, na qual nos encontrámos, assinala o problema da utilização dos meios, tanto naturais como humanos. Das Igrejas, convidadas a viver o ideal evangélico da pobreza, espera-se ainda muito em termos de sensibilização e de acção concreta, mesmo se elas não encontram espaço suficiente nos media. (“Instrumentum laboris”, n. 56).

[35] “Um quarto cenário é o da política. (…). O emergir na cena mundial de novos actores económicos, políticos e religiosos, como o mundo islâmico, o mundo asiático, criou uma situação de domínio e de poder. Neste cenário, as várias propostas sublinharam diversas prioridades: o empenho pela paz, o desenvolvimento e a libertação dos povos; uma melhor regulamentação internacional e interacção dos governos nacionais; a procura de formas possíveis de escuta, convivência, diálogo e colaboração entre as diversas culturas e religiões; a defesa dos direitos do homem e dos povos, sobretudo das minorias; a promoção dos mais débeis; a salvaguarda da criação e o empenho pelo futuro do nosso planeta. Estes são temas que as diversas Igrejas particulares aprenderam a sentir como seus, e como tais são salvaguardados e promovidos na vida quotidiana das nossas comunidades. (“Instrumentum laboris”, n. 57).

[36] Cfr. “Instrumentum laboris”, nn. 59-62.

[37] Cfr. “Instrumentum laboris”, nn. 68-75. “Algumas respostas pediram para realçar a caridade como instrumento de nova evangelização: a dedicação e a solidariedade para com os mais pobres vividas por muitas comunidades, a sua caridade, o seu estilo de vida sóbrio num mundo que, contrariamente, exalta o consumo e o ter, são verdadeiramente um válido instrumento para anunciar o Evangelho e testemunhar a nossa fé.” (n. 71). “(…) Muitas respostas auspiciam que a vida consagrada dê um contributo essencial à nova evangelização, em particular no campo da educação, da saúde, da cura pastoral, sobretudo para com os pobres e as pessoas mais necessitadas de auxílio espiritual e material.” (n. 114).
Sobre a “missio ad gentes”, o Secretário Geral do Sínodo dos Bispos, o arcebispo Nikola Eterović, dizia na apresentação do “Instrumentum laboris”: “O renovado dinamismo das comunidades cristãs dará um novo impulso também à actividade missionária (‘missio ad gentes’), hoje mais urgente do que nunca, atendendo ao elevado número de pessoas que não conhecem Jesus Cristo não só em terras longínquas, mas também nos Países de antiga evangelização. Sobre o mesmo assunto, no contexto do cuidado pastoral e da nova evangelização o documento da Assembleia sinodal citando João Paulo II diz: “As Igrejas de antiga tradição cristã, por exemplo, preocupadas com a dramática tarefa da nova evangelização, estão mais conscientes de que não podem ser missionárias dos não cristãos de outros países e continentes, se não se preocuparem seriamente com os não cristãos da própria casa: a actividade missionária ad intra é sinal de autenticidade e de estímulo para realizar a outra ad extra, e vice-versa.” (n. 76).

[38] Papa Bento XVI, Carta Encíclica “Caritas in veritate” sobre o Desenvolvimento humano integral na caridade e na verdade, 29 de Junho de 2009.

[39] Papa Francisco, Carta Encíclica “Lumen fidei” sobre a Fé, 29 de Junho de 2013.

[40] “Caritas in veritate”, n. 15.

[41] “Uma sociedade do bem-estar, materialmente desenvolvida mas oprimente para a alma, de per si não está orientada para o autêntico desenvolvimento. As novas formas de escravidão da droga e o desespero em que caem tantas pessoas têm uma explicação não só sociológica e psicológica, mas essencialmente espiritual. O vazio em que a alma se sente abandonada, embora no meio de tantas terapias para o corpo e para o psíquico, gera sofrimento. Não há desenvolvimento pleno nem bem comum universal sem o bem espiritual e moral das pessoas, consideradas na sua totalidade de alma e corpo.” (“Caritas in veritate”, n. 76).

[42] Só para se fazer uma ideia, menciono aqui a estatística de quantas vezes estas palavras aparecem ao longo de todo o documento: “desenvolvimento”, de cada pessoa e da humanidade inteira (250 vezes); “paz” (71 vezes) e “justiça” (52 vezes), nos mais diversos contextos; “ambiente” (20 vezes) e “ecologia” (5 vezes); “criação”, no sentido da salvaguarda da criação (3 vezes).

[43] “Há espaço para todos nesta nossa terra: aqui a família humana inteira deve encontrar os recursos necessários para viver decorosamente, com a ajuda da própria natureza, dom de Deus aos seus filhos, e com o empenho do seu próprio trabalho e inventiva. Devemos, porém, sentir como gravíssimo o dever de entregar a terra às novas gerações num estado tal que também elas possam dignamente habitá-la e continuar a cultivá-la. (…) . Isto chama a sociedade actual a uma séria revisão do seu estilo de vida que, em muitas partes do mundo, pende para o hedonismo e o consumismo, sem olhar aos danos que daí derivam. É necessária uma real mudança de mentalidade que nos induza a adoptar novos estilos de vida. (…). Toda a lesão da solidariedade e da amizade cívica provoca danos ambientais, assim como a degradação ambiental por sua vez gera insatisfação nas relações sociais. A natureza, especialmente no nosso tempo, está tão integrada nas dinâmicas sociais e culturais que quase já não constitui uma variável independente. A desertificação e a penúria produtiva de algumas áreas agrícolas são fruto também do empobrecimento das populações que as habitam e do seu atraso. Incentivando o desenvolvimento económico e cultural daquelas populações, tutela-se também a natureza. Além disso, quantos recursos naturais são devastados pela guerra! A paz dos povos e entre os povos permitiria também uma maior preservação da natureza. O açambarcamento dos recursos, especialmente da água, pode provocar graves conflitos entre as populações envolvidas. Um acordo pacífico sobre o uso dos recursos pode salvaguardar a natureza e, simultaneamente, o bem-estar das sociedades interessadas.
A Igreja sente o seu peso de responsabilidade pela criação e deve fazer valer esta responsabilidade também em público. Ao fazê-lo, não tem apenas de defender a terra, a água e o ar como dons da criação que pertencem a todos, mas deve sobretudo proteger o homem da destruição de si mesmo. Requer-se uma espécie de ecologia do homem, entendida no justo sentido. De facto, a degradação da natureza está estreitamente ligada à cultura que molda a convivência humana: quando a ecologia humana é respeitada dentro da sociedade, beneficia também a ecologia ambiental.” (“Caritas in veritate”, nn. 48-51).

[44] “Outro aspecto merecedor de atenção, ao tratar do desenvolvimento humano integral, é o fenómeno das migrações. É um fenómeno impressionante pela quantidade de pessoas envolvidas, pelas problemáticas sociais, económicas, políticas, culturais e religiosas que levanta, pelos desafios dramáticos que coloca à comunidade nacional e internacional. Pode-se dizer que estamos perante um fenómeno social de natureza epocal, que requer uma forte e clarividente política de cooperação internacional para ser convenientemente enfrentado. Esta política há-de ser desenvolvida a partir de uma estreita colaboração entre os países donde partem os emigrantes e os países de chegada; há-de ser acompanhada por adequadas normativas internacionais capazes de harmonizar os diversos sistemas legislativos, na perspectiva de salvaguardar as exigências e os direitos das pessoas e das famílias emigradas e, ao mesmo tempo, os das sociedades de chegada dos próprios emigrantes. Nenhum país se pode considerar capaz de enfrentar, sozinho, os problemas migratórios do nosso tempo. Todos somos testemunhas da carga de sofrimentos, contrariedades e aspirações que acompanha os fluxos migratórios. Como é sabido, o fenómeno é de gestão complicada; todavia é certo que os trabalhadores estrangeiros, não obstante as dificuldades relacionadas com a sua integração, prestam com o seu trabalho um contributo significativo para o desenvolvimento económico do país de acolhimento e também do país de origem com as remessas monetárias. Obviamente, tais trabalhadores não podem ser considerados como simples mercadoria ou mera força de trabalho; por isso, não devem ser tratados como qualquer outro factor de produção. Todo o imigrante é uma pessoa humana e, enquanto tal, possui direitos fundamentais inalienáveis que hão-de ser respeitados por todos em qualquer situação.” (“Caritas in veritate”, n. 62).

[45] “Perante o crescimento incessante da interdependência mundial, sente-se imenso — mesmo no meio de uma recessão igualmente mundial — a urgência de uma reforma quer da Organização das Nações Unidas quer da arquitectura económica e financeira internacional, para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações. De igual modo sente-se a urgência de encontrar formas inovadoras para actuar o princípio da responsabilidade de proteger e para atribuir também às nações mais pobres uma voz eficaz nas decisões comuns. Isto revela-se necessário precisamente no âmbito de um ordenamento político, jurídico e económico que incremente e guie a colaboração internacional para o desenvolvimento solidário de todos os povos. Para o governo da economia mundial, para sanar as economias atingidas pela crise de modo a prevenir o agravamento da mesma e em consequência maiores desequilíbrios, para realizar um oportuno e integral desarmamento, a segurança alimentar e a paz, para garantir a salvaguarda do ambiente e para regulamentar os fluxos migratórios urge a presença de uma verdadeira Autoridade política mundial, delineada já pelo meu predecessor, o Beato João XXIII. A referida Autoridade deverá regular-se pelo direito, ater-se coerentemente aos princípios de subsidiariedade e solidariedade, estar orientada para a consecução do bem comum, comprometer-se na realização de um autêntico desenvolvimento humano integral inspirado nos valores da caridade na verdade. Além disso, uma tal Autoridade deverá ser reconhecida por todos, gozar de poder efectivo para garantir a cada um a segurança, a observância da justiça, o respeito dos direitos. Obviamente, deve gozar da faculdade de fazer com que as partes respeitem as próprias decisões, bem como as medidas coordenadas e adoptadas nos diversos fóruns internacionais. É que, se isso faltasse, o direito internacional, não obstante os grandes progressos realizados nos vários campos, correria o risco de ser condicionado pelos equilíbrios de poder entre os mais fortes. O desenvolvimento integral dos povos e a colaboração internacional exigem que seja instituído um grau superior de ordenamento internacional de tipo subsidiário para o governo da globalização e que se dê finalmente actuação a uma ordem social conforme à ordem moral e àquela ligação entre esfera moral e social, entre política e esfera económica e civil que aparece já perspectivada no Estatuto das Nações Unidas. (“Caritas in veritate”, n. 67).

[46] O n. 6 da “Lumen fidei” diz claramente: “A fé enriquece a existência humana em todas as suas dimensões.” Cfr. também o n. 15, sobre a fé de Israel: “a fé cristã é fé no Amor pleno, no seu poder eficaz, na sua capacidade de transformar o mundo e iluminar o tempo”. Cfr. o n. 20: “A fé sabe que Deus Se tornou muito próximo de nós, que Cristo nos foi oferecido como grande dom que nos transforma interiormente, que habita em nós, e assim nos dá a luz que ilumina a origem e o fim da vida, o arco inteiro do percurso humano.”
A encíclica diz que – embora o contexto sejam os sacramentos – “a fé tem necessidade de um âmbito onde se possa testemunhar e comunicar.” (n. 40). Na nossa perspectiva, esse âmbito pode ser também o social e a sociedade.

[47] “Lumen fidei” n. 50 : “Se o homem de fé assenta sobre o Deus-Amen, o Deus fiel (cf. Is 65, 16), tornando-se assim firme ele mesmo, podemos acrescentar que a firmeza da fé se refere também à cidade que Deus está a preparar para o homem. A fé revela quão firmes podem ser os vínculos entre os homens, quando Deus Se torna presente no meio deles. Não evoca apenas uma solidez interior, uma convicção firme do crente; a fé ilumina também as relações entre os homens, porque nasce do amor e segue a dinâmica do amor de Deus. O Deus fiável dá aos homens uma cidade fiável.”
O Santo Padre, depois de referir-se à família como “o primeiro âmbito da cidade dos homens iluminado pela fé” (n. 52), diz que “assimilada e aprofundada em família, a fé torna-se luz para iluminar todas as relações sociais”. Cfr. n. 54, sobre a fé como luz para a vida em sociedade: “Quantos benefícios trouxe o olhar da fé cristã à cidade dos homens para a sua vida em comum! Graças à fé, compreendemos a dignidade única de cada pessoa, que não era tão evidente no mundo antigo.” E ainda o n. 55: “A fé ilumina a vida social: possui uma luz criadora para cada momento novo da história, porque coloca todos os acontecimentos em relação com a origem e o destino de tudo no Pai que nos ama.”

[48] “Lumen fidei”, n. 57: “A luz da fé não nos faz esquecer os sofrimentos do mundo. Os que sofrem foram mediadores de luz para tantos homens e mulheres de fé; tal foi o leproso para São Francisco de Assis, ou os pobres para a Beata Teresa de Calcutá. Compreenderam o mistério que há neles; aproximando-se deles, certamente não cancelaram todos os seus sofrimentos, nem puderam explicar todo o mal. A fé não é luz que dissipa todas as nossas trevas, mas lâmpada que guia os nossos passos na noite, e isto basta para o caminho. Ao homem que sofre, Deus não dá um raciocínio que explique tudo, mas oferece a sua resposta sob a forma duma presença que o acompanha, duma história de bem que se une a cada história de sofrimento para nela abrir uma brecha de luz. Em Cristo, o próprio Deus quis partilhar connosco esta estrada e oferecer-nos o seu olhar para nela vermos a luz. Cristo é aquele que, tendo suportado a dor, Se tornou «autor e consumador da fé» (Heb 12, 2).
O sofrimento recorda-nos que o serviço da fé ao bem comum é sempre serviço de esperança que nos faz olhar em frente, sabendo que só a partir de Deus, do futuro que vem de Jesus ressuscitado, é que a nossa sociedade pode encontrar alicerces sólidos e duradouros. Neste sentido, a fé está unida à esperança, porque, embora a nossa morada aqui na terra se vá destruindo, há uma habitação eterna que Deus já inaugurou em Cristo, no seu corpo (cf. 2 Cor 4, 16 – 5, 5). Assim, o dinamismo de fé, esperança e caridade (cf. 1 Ts 1, 3; 1 Cor 13, 13) faz-nos abraçar as preocupações de todos os homens, no nosso caminho rumo àquela cidade, «cujo arquitecto e construtor é o próprio Deus» (Heb 11, 10), porque «a esperança não engana» (Rm 5, 5).
Unida à fé e à caridade, a esperança projecta-nos para um futuro certo, que se coloca numa perspectiva diferente relativamente às propostas ilusórias dos ídolos do mundo, mas que dá novo impulso e nova força à vida de todos os dias. Não deixemos que nos roubem a esperança, nem permitamos que esta seja anulada por soluções e propostas imediatas que nos bloqueiam no caminho, que «fragmentam» o tempo transformando-o em espaço. O tempo é sempre superior ao espaço: o espaço cristaliza os processos, ao passo que o tempo projecta para o futuro e impele a caminhar na esperança.”

[49] “Lumen fidei”, n. 55.

[50] Aqui, podemos citar algumas obras como, por exemplo: P. Luciano Franceschini, “Il Comboni e lo Schiavismo”, Studi Comboniani, Roma, 1961; Ernest Kiangu Sindani, “Traite orientale: une page d’histoire a découvrir – les africains vendus esclaves sur les marchés du Moyen Orient – la lutte de St. Daniel Comboni”, Studi Comboniani, Roma, 2004; Nazareno Contran, “St. Daniel Comboni et la traite orientale”, Studi Comboniani, Roma, 2004.

[51] Comboni escreve ao. Card. Alessandro Barnabó, em Maio de 1865: “Eis aqui um resumo do que desejaria submeter ao critério de V. Em.a Rev.ma  e que me parece útil para fazer algo mais em favor dos negros. Creio que o plano assim concebido é mais simples que o primeiro. Se o sábio juízo de V. Em.a Rev.ma não considera oportuno admitir o substancial desta modificação do Plano, bendirei ao Senhor e redobrarei os meus esforços para pensar e idealizar um plano mais simples e realizável. Sem dúvida que o problema que eu procuro resolver é extremamente difícil; mas, quando penso que até hoje a Igreja teve da África fracas consolações e que a raça dos negros é a mais desgraçada do mundo e que, quanto mais avançarmos no tempo, mais árdua se tornará a regeneração da Nigrícia, nenhuma dor me quebranta, nenhuma fadiga me desencoraja, nenhuma dificuldade me detém. Até a morte me pareceria grata se pudesse ser de alguma utilidade aos negros. Deus inspire a V. Em.a Rev.ma a decretar o que for mais vantajoso para a empresa.” (Escritos, n. 1105). Cfr. também o n. 1105: “Estou disposto – diz Comboni – com todos os meus companheiros e subordinados, a sacrificar-me inteiramente até à morte no difícil e laborioso apostolado da África Central, a fim de procurar, com todo o empenho, no modo que melhor parecer à Santa Sé, a salvação daquelas almas, que são as mais infelizes, as mais necessitadas e as mais abandonadas do mundo.”

[52] Escritos, n. 170.

[53] Escritos, n. 7232.

[54] Escritos, n. 6897.

[55] Escritos, n. 2040. Uma descrição ainda mais completa encontramo-la na “Informação à Sociedade de Colónia” [«Jahresbericht (Relação anual)...» 19 (1871), págs. 10-100]. (Escritos, nn. 2468-2576). E ainda a relação à “Propagação da Fé de Lião”, em Julho de 1871. (Escritos, nn. 2577-2592).

[56] A actual Regra de Vida dos Missionários Combonianos foi aprovada pelo XII Capítulo Geral, em Outubro de 1979, e entrou oficialmente em vigor no dia 13 de Junho de 1980. Naturalmente fruto do seu tempo, cita abundantemente os documentos do Vaticano II e outras fontes eclesiais, em particular, a “Evangelii nuntiandi” e a “Redemptor hominis”.Os documentos eclesiais, com maior carácter social, que a inspiraram foram:
Papa Paulo VI, Sínodo dos Bispos sobre a Justiça no Mundo, 30 de Novembro de 1971.
Papa Paulo VI, A Exortação apostólica “Evangelii nuntiandi”, 8 de Dezembro de 1975.
Papa João Paulo II, Carta Encíclica “Redemptor hominis” no início do seu pontificado, 4 de Março de 1979.

[57] RV, n. 61. Cfr. também os números directoriais de 61.1 a 61.9; “A contemplação do Coração trespassado de Cristo, do qual nasce a Igreja, é um estímulo à acção missionária como empenho pela libertação integral do homem e àquela caridade fraterna que deve ser um sinal distintivo da comunidade comboniana.” (RV, n. 3.3).

[58] EN, n. 31. Cfr. também na mesma EN os nn. 30 a 38.

[59] “Apesar das dificuldades existentes na partilha das condições dos pobres, o missionário assume as suas ansiedades, os seus problemas e a sua defesa. Une-se a eles no esforço para melhorar as suas condições de vida, contra toda a exploração e injustiça.” (RV, n. 28.2); “Uma informação constante e objectiva sobre as condições religiosas e sociais de outros povos permite aos cristãos reconhecer , à luz do Evangelho, situações de injustiça e exploração nas relações socioeconómicas entre os vários países, e todo o tipo de opressão dentro dos próprios países.” (RV, n. 73.3); “Nas iniciativas de promoção humana, dá-se a preferência aos mais pobres e abandonados, colaborando nos programas locais e educando as pessoas a ajudarem-se a si mesmas.” (RV, n. 30.1).

[60] Referindo-se aos mais necessitados e abandonados, a RV afirma: “O chamamento de Deus para o serviço missionário concretizou-se para Comboni na opção pelos povos da África, que naquele momento histórico lhe pareciam «os mais necessitados e abandonados do Universo», especialmente a respeito da fé.” (RV, n. 5).

[61] AC 09, n. 5.4. Cfr. RV, n. 61.

[62] AC 09, n. 5.4. Cfr. RV, n. 16.

[63] “Também no campo da JPIC – apesar de haver uma certa consciência a nível de acção local – encontramos dificuldades em assumir uma visão global e em operar escolhas proféticas. A ambição pelos recursos e pela energia conduz à destruição da natureza e põe em perigo a vida futura do planeta, provocando morte e miséria, especialmente para os pobres.” (AC 09, n. 51; cfr. também o n. 66).

[64] AC 09, n. 56.3. Cfr. também o n. 193, que sublinha o papel dos meios de comunicação nas actividades de JPIC e na transmissão dos valores do Reino.

[65] AC 09, n. 7.5.

[66] AC 09, n. 62. Sobre a relação que deve existir entre a evangelização e a animação missionária, são paradigmáticos os dois textos seguintes: “A AM, que realizamos mediante uma plena inserção nas Igrejas locais, tem de renovar-se para alcançar um carácter mais profético de anúncio da mensagem evangélica e de denúncia das situação de opressão e injustiça (lobbying e advocacy), dando a conhecer as situações de pobreza e marginalização em que continua a arrastar-se grande parte da humanidade.” AC 09, n. 184; “O empenho por JPIC é assumido como elemento constitutivo do anúncio evangélico e da AM e nos estimula a um testemunho pessoal coerente e a um estilo de vida sóbrio, colaborando com quem está já empenhado neste campo. É este o sector privilegiado da actividade dos Irmãos, que favorece também uma requalificação da promoção vocacional.” AC 09, n. 186.

[67] AC 09, n. 7.4. A “opção pelos pobres” na missão comboniana de proclamar o Evangelho da reconciliação e da libertação aparece seis vezes nas AC 2009 e é definida como “a opção fundamental da nossa existência” (AC 09, n. 5.1). Por sua vez, as referências ao “estilo de vida” e de missão do comboniano e das comunidades combonianas aparecem umas 15 vezes e quase sempre associadas a um ou mais dos seguintes adjectivos: simples, pobre, sóbrio, próximo das gentes, coerente, solidário, responsável, transparente, com simplicidade de meios, e evangélico.

[68] AC 09, n. 66.3.

[69] 44. A globalização é causa concomitante da ruptura de valores tradicionais e culturais, do êxodo para a cidade, das migrações do Sul para Norte, provocando por vezes insegurança e reacções racistas nos Países receptores. Criou além disso uma ruptura cada vez maior entre o Norte e o Sul do mundo pelo que diz respeito às condições de vida, acesso à justiça e respeito pelos direitos humanos. Os jovens são atraídos por identidades culturais múltiplas, enquanto os modelos tradicionais desaparecem, deixando-os sem pontos de referência.”

[70] AC 09, n. 70.1.

[71] AC 09, n. 67.1. Cfr. também o n. 50: “A Igreja tem dificuldade em responder às necessidades dos jovens, às aspirações profundas das mulheres e em encontrar métodos pastorais adequados em relação aos imigrantes.”

[72] Eis alguns números das AC 2009 que falam desta colaboração: n. 9.3: “Favorecer a comunhão e a colaboração com os outros membros da Família Comboniana (Combonianas, Seculares, LMC) e partilhar o nosso carisma com os leigos.”; n. 191: “Em cada Circunscrição promova-se a colaboração com a sociedade civil organizada e com instituições religiosas operantes no âmbito de JPIC.”; n.195: “Consolide-se o trabalho em equipa de JPIC para que o Instituto esteja presente em âmbitos internacionais (VIVAT e AEFJN) para apoiar campanhas de lobbying tendentes à promoção dos direitos humanos e para animar as nossas Circunscrições e as actividades por nós geridas.”; n. 65.6: “Promovam-se entre as pessoas iniciativas que encorajem o conhecimento recíproco, o respeito e a convivência pacífica. Neste espírito, ajude-se a comunidade cristã a afirmar a sua identidade sem complexos e a promover juntos a justiça, a paz e a reconciliação.” Cfr. ainda os nn. 55, 58.2, 58.5, e 125.8.

[73] Os institutos da USG/UISG criaram diversas comissões de trabalho, de entre as quais a da JPIC (subdividida em dois grupos por línguas: espanhol e inglês), do qual nós fazemos parte. O grupo reúne-se uma vez por mês.
A Antena Fé e Justiça África-Europa (AEFJN) é uma organização internacional cujos membros – actualmente 33 institutos – são religiosos ou institutos missionários e organizações laicas com uma presença em ou interesse por África. A AEFJN tem Antenas e pessoas de contacto em diversos países da Europa e da África – por exemplo em Portugal – e mantém um escritório permanente junto do Parlamento Europeu, em Bruxelas. A assembleia geral da AEFJN reúne-se pelo menos uma vez por ano, em Roma.
A Vivat International, com sede em Roma, é uma organização religiosa não governamental, fundada conjuntamente pelos institutos dos Missionários do Verbo Divino e pelas Irmãs Missionárias Servas do Espírito Santo. Actualmente, fazem parte de Vivat International 12 institutos, entre os quais os Combonianos na qualidade de membros associados, perfazendo um total de 25.386 irmãs, irmãos e padres, trabalhando em 122 países. A Vivat International tem várias organizações regionais que dependem da sede – Portugal não tem – e mantém escritórios permanentes junto das Nações Unidas em Nova Iorque (Sede) – onde temos dois confrades a trabalhar em full time –, Genebra (Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas – United Nations Human Rights Council - UNHRC), e Roma (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura – FAO). A assembleia geral da Vivat International reúne-se pelo menos duas vezes por ano, em Roma.
Para mais informações, consultar o link dos sites de cada uma dessas organizações: USG/UISG (www.vidimusdominum.org; http://jpicformation.wikispaces.com/home); AEFJN (http://www.aefjn.org); e Vivat International (http://vivatinternational.org).

[74] P. Anastasio Tricarico, “Forum Comboniano sull’Integrità del Creato – Riflessioni sui risultati del questionario”, in: MCCJ BULLETIN, n. 252, luglio 2012, págs. 109-112.

[75] Carta aberta à Família Comboniana. Reconciliação com a criação. A família comboniana e a missão socioambiental.”, Rio de Janeiro, 20-25 de Junho de 2012. Publicamos, aqui, as propostas dos missionários que se referem aos grandes desafios hodiernos nos territórios onde actuam os combonianos: “Os conflitos de terra e a grilagem (land grabbing) estão a agredir os territórios e os povos de forma violenta nas nossas circunscrições dos continentes africano e americano. Já recolhemos muitas informações e alguns documentos a respeito, contudo sentimos a necessidade de aprofundar ainda mais este tema, de estudá-lo de forma comparada entre as circunscrições combonianas e de organizar a advocacy dos combonianos/as actuantes na Europa e na América do Norte;
Reforçamos também as iniciativas interprovinciais de pesquisa, denúncia e empoderamento das comunidades sobre o tema da mineração. Apoiamos a realização de encontros temáticos sobre este assunto entre as províncias e delegações mais afectadas por essa agressão.
Recomendamos, enfim, atenção e estudo a respeito do grave problema da privatização da água e dos conflitos daí decorrentes, que afectam de modo global o mundo inteiro. Será um dos maiores desafios das próximas décadas, afectando directamente a todos os povos, e em especial os mais pobres e os excluídos.

[76] Os missionários e missionárias partilham também a sua visão da missão comboniana: “Somos homens e mulheres da estrada e do Evangelho. Temos uma grande riqueza: a experiência da vida missionária para partilhar. Devemos, porém, sistematizá-la, recompor os fragmentos, explicitá-la, reflecti-la mais profundamente. Interrogamo-nos sobre qual deva ser a missão hoje, sabendo que nos compete também propor uma teologia e uma espiritualidade encarnadas, alimentadas pela escuta da Palavra, em caminho com o Cristo verdadeiro libertador da história, recuperando a mística dos povos aos quais pertencemos e servimos, em diálogo com o património espiritual das populações autóctones e das grandes tradições religiosas do mundo.
A força da nossa fé e identidade está mais na inclusão e na escuta, do que nas definições de fronteiras e diferenças. Acolhemos o desafio de abrir-nos ao mundo e de rejeitar todo o tipo de preconceitos. Comprometer-nos juntos como Família comboniana não é o objectivo, mas a condição inicial e necessária para ser missionário hoje. Percebemos a necessidade de que haja mais espaço para os leigos missionários e para as pessoas com quem vivemos e trabalhamos, em redes cada vez mais ricas e competentes para respondermos aos desafios complexos do mundo hodierno: o protagonismo é deles, e nós, junto com eles, somos sal e fermento para amassar uma nova história; pedras escondidas como nos ensina Comboni. (…). Sentimos, claramente, que o encontro comboniano, durante o Fórum Social Mundial, é uma oportunidade para, como missionários, evangelizar e para sermos evangelizados. Rezando junto ao túmulo dos primeiros mártires cristãos destas terras, renovamos, com eles, a coragem de viver com coerência a nossa fé e de entregar totalmente a nossa vida, para que todos tenham vida em plenitude.”

[77] AC 09, n. 186. Diz-se nos princípios inspiradores da Animação Missionária e Evangelização do Plano Sexenal 2009-2016 da Província Portuguesa: “Na preparação e apresentação dos conteúdos, recolheremos inspiração da Palavra de Deus e do grito dos pobres e abandonados e optaremos por um estilo de colaboração ampla com as forças eclesiais e sociais (AC 09, n. 182).” Plano Sexenal 2009-2016 da Província Portuguesa, sem data, pág. 12).

[78] Plano Sexenal 2009-2016 da Província Portuguesa, II JPIC, págs. 17-18.

[79] Ibidem, pág. 18.

[80] Ibidem, III Editorial, Internet e audiovisuais, pág. 18.

[81] Ibidem, V Pastoral vocacional, pág. 21. Para atingir este objectivo na Pastoral vocacional, foi apontada a seguinte estratégia: “Sensibilizar os jovens para as questões humanitárias, desigualdades sociais, pobreza, injustiças.”

[82] Ibidem, “Introdução geral”, pág. 3. No âmbito da análise do “País e da sociedade”, na mesma página, citam-se os problemas da “crise económico-financeira”, que “atingiu com severidade também o nosso país, pesando duramente sobre os mais pobres, e agravando sobretudo o desemprego”. E conclui a mesma análise: “A sociedade portuguesa tem vindo a experimentar uma forte transformação social, com todas as consequências positivas e os problemas que isso comporta: perda de valores culturais, familiares e religiosos. As transformações verificadas na sociedade portuguesa têm-nos conduzido, ao longo destes anos, a repensar o sentido da nossa presença, a procurar formas mais incisivas de inserção na Igreja Portuguesa e a procurar novos métodos de trabalho, principalmente na animação missionária e na promoção vocacional.”

[83] Ibidem, págs. 4-5. Em relação à abertura desta “comunidade inserida”, elaboraram-se duas estratégias: “Consolidar a abertura do empenho de evangelização nos arredores de Lisboa, num dos bairros de maior presença de imigrantes africanos” e realizar o projecto em colaboração com as Irmãs Combonianas e os Leigos Missionários Combonianos.” Ibidem, pág. 16.

[84] Ibidem, pág. 33.

[85] “Apoiar o empenho de evangelização em Apelação/Camarate que responde à nossa vontade de traduzir, no nosso contexto, as orientações do Capítulo (cfr. AC 09, nn. 11.3, 62.4, 70). É um empenho de evangelização num contexto de migração entre os mais pobres.” Ibidem, pág. 34.

[86] Ibidem, pág. 11.

[87] “Carta da Animação Missionária e Evangelização 2011-2016” da Província Portuguesa, sem data, pág. 2.

[88] Ibidem, pág. 3.

[89] Ibidem.

[90] Ibidem.

[91] “Acção em rede: S. Daniel Comboni nunca pensou realizar o seu sonho sozinho ou somente com os seus Institutos. O seu Plano supunha a colaboração de homens e mulheres, de sacerdotes e de leigos, de todos os Institutos voltados para a missão e até dos vários governos europeus. A nossa presença missionária em Portugal também não pode subsistir desligada de outras presenças com as quais deve colaborar, em sinergia de esforços: As Missionárias Combonianas (IMC), as Missionárias Seculares Combonianas (MSC), os Leigos Missionários Combonianos (LMC) com os quais formamos a Família Comboniana; os Institutos Missionários ad gentes; os Centros Missionários Diocesanos, as Obras Missionárias Pontifícias, outros organismos missionários de âmbito internacional (VIVAT e AEFJN) e organismos civis que promovem um mundo mais justo e solidário (cfr. AC 2009, nn. 180.3; 191; 195); os conventos de clausura, como suporte espiritual à nossa acção.” Ibidem, págs. 4-5.

[92] P. Alberto Pelucchi, “Lettera alla Provincia del Portogallo”, Roma, 1 maggio 2013, in: MCCJ BULLETIN, n. 256, luglio 2013, págs. 16-22.

[93] A Assembleia europeia de Animação Missionária, Evangelização e JPIC, que se realizou em Pesaro (Itália) de 7 a 16 de Fevereiro de 2012, propôs três projectos europeus: um centro europeu de comunicação, provavelmente em Londres; continuar o empenho com e entre os imigrantes a nível local, mas com uma visão cada vez mais europeia, com a possibilidade de intercâmbio de pessoal de outros continentes; e um lugar de espiritualidade e reflexão sobre a missão, em Limone sul Garda. A pedido dos superiores provinciais da Europa, reflectiu-se sobre estes projectos. Assim, no encontro europeu dos combonianos que trabalham com e entre os imigrantes, realizado em Coimbra (Portugal), de 7 a 11 de Maio de 2012, aprovou-se uma moção que foi enviada aos provinciais, na qual se mencionavam dois lugares possíveis para se realizar este projecto europeu com os imigrantes: Roma/ACSE ou Lisboa/Camarate.

[94] “Audácia”, Ano XLVI, n. 505, Março de 2013.

[95] “Além-Mar”, Ano LVII, n. 627, Julho/Agosto 2013, pp. 16-22. Na introdução ao longo texto de Ana Glória Lucas, pode-se ler: “O tráfico de seres humanos é, em todo o mundo, o terceiro negócio ilícito mais rendível, logo depois da droga e das armas. Tendo como causa principal a pobreza e as grandes desigualdades sociais, este tráfico não exclui nenhum país, seja ele de origem, de trânsito ou de destino. Mulheres, crianças e adolescentes continuam a ser as principais vítimas.” Ibidem, pág. 17.

[96] Acta do encontro de avaliação do ano pastoral do Conselho Provincial com os superiores das comunidades e secretários dos sectores provinciais, Lisboa, 18 e 19 de Junho 2013. Na mesma Acta, indica-se já o tema do próximo ano pastoral de 2013-2014: “Este ano pastoral será dedicado ao tema de ‘Comboni profeta e as novas escravaturas’ e iniciaremos em Outubro um ‘Ano Comboniano’ com esta orientação.”

[97] P. Antonio Villarino, “JPIC como parte da nossa missão comboniana”, Suplemento da Familia Comboniana 710, Julho-Agosto 2013.

[98] Diz a “Carta aos bispos do Brasil”, acessível através da Internet: “A ocasião, pois, é de assumir o Concílio Vaticano II actualizado, superar de uma vez por todas a tentação de Cristandade, viver dentro de uma Igreja plural e pobre, de opção pelos pobres, uma eclesiologia de participação, de libertação, de diaconia, de profecia, de martírio... Uma Igreja explicitamente ecuménica, de fé e política, de integração da Nossa América, reivindicando os plenos direitos da mulher, superando a respeito os fechamentos advindos de uma eclesiologia equivocada.”
Já quase no final da Carta, os bispos acenam ao clericalismo, que o Papa Francisco também tem vindo a condenar, e à necessidade de “desocidentalizar a linguagem da fé e da liturgia latina, não para criarmos uma Igreja diferente, mas para enriquecermos a catolicidade eclesial”.
“Finalmente – prosseguem os bispos –, está em jogo o nosso diálogo com o mundo. Está em questão qual a imagem de Deus que damos ao mundo e o testemunhamos pelo nosso modo de ser, pela linguagem de nossas celebrações e pela forma que toma nossa pastoral. Esse ponto é o que deve mais nos preocupar e exigir nossa atenção. Na Bíblia, para o Povo de Israel, “voltar ao primeiro amor”, significava retomar a mística e a espiritualidade do Êxodo.
Para as nossas Igrejas da América Latina, “voltar ao primeiro amor” é retomar a mística do Reino de Deus na caminhada junto com os pobres e a serviço de sua libertação. Em nossas dioceses, as pastorais sociais não podem ser meros apêndices da organização eclesial ou expressões menores do nosso cuidado pastoral. Ao contrário, é o que nos constitui como Igreja, assembleia reunida pelo Espírito para testemunhar que o Reino está vindo e que de fato oramos e desejamos: venha o teu Reino!
Esta hora é, sem dúvida, sobretudo para nós bispos, com urgência, a hora da acção. O Papa Francisco ao dirigir-se aos jovens na Jornada Mundial e ao dar-lhes apoio nas suas mobilizações, assim se expressou: ‘Quero que a Igreja saia às ruas’. Isso faz eco à entusiástica palavra do apóstolo Paulo aos Romanos: ‘É hora de despertar, é hora e de vestir as armas da luz’ (13,11). Seja essa a nossa mística e nosso mais profundo amor.”

[99] Discurso de Papa Francisco aos participantes no Congresso Eclesial da Diocese de Roma, na Sala Paulo VI, no dia 17 de Junho de 2013, in: http://www.news.va/pt/news/aos-participantes-no-congresso-eclesial-da-diocese, acesso em Agosto de 2013.

[100] “Quero que a Igreja saia às ruas. (…) As paróquias, os colégios, são para sair e se não saem se convertem em uma ONG e a Igreja não pode ser uma ONG!”, disse o Papa aos cerca de cinco mil jovens argentinos presentes na Jornada Mundial da Juventude (JMJ), na Catedral do Rio de Janeiro, após a visita à comunidade de Varginha, no dia 25 de Julho de 2013.

[101] Mensagem “Urbi et orbi” do Papa Francisco, no domingo de Páscoa, 31 de Março de 2013. “Paz para o mundo inteiro – disse o Sumo Pontífice –, ainda tão dividido pela ganância de quem procura lucros fáceis, ferido pelo egoísmo que ameaça a vida humana e a família – um egoísmo que faz continuar o tráfico de pessoas, a escravatura mais extensa neste século vinte e um. O tráfico de pessoas é realmente a escravatura mais extensa neste século vinte e um! Paz para todo o mundo dilacerado pela violência ligada ao narcotráfico e por uma iníqua exploração dos recursos naturais. Paz para esta nossa Terra! Jesus ressuscitado leve conforto a quem é vítima das calamidades naturais e nos torne guardiões responsáveis da criação.”

[102] Francesco Occhetta, “La tratta delle persone – la schiavitù del XXI secolo”, in: “La Civiltà Cattolica” anno 164, 3-7 agosto 2013, pp. 225-234.

[103] Carmine Tabarro, “A desocupação juvenil: um ‘drama’ para toda a Europa”, in: http://www.comboni.org//contenuto/view/id/106544, acesso em Agosto de 2013.

[104] AC 09, n. 58.7.

[105] “Na época das grandes migrações de massa, explodidas na Europa por ocasião da manifestação e do desenvolvimento da revolução industrial, o Espírito suscitou no Beato João Batista Scalabrini, para o mundo e para a Igreja, uma paixão misericordiosa pelos migrantes. Nos dramáticos acontecimentos da sua época, ele reconheceu a missão e a tarefa da Igreja, de «evangelizar os filhos da miséria e do trabalho», e interpretou as migrações como um instrumento e um sinal do projecto de Deus, de formar de todos os povos e culturas uma única família e o novo povo do Reino.
A cem anos da morte de Scalabrini, o seu Carisma é actual e vital ainda hoje, quando as migrações constituem uma realidade planetária: por um lado, a mobilidade humana com os seus dramas e as suas esperanças, constitui o coração pulsante e sangrante do mundo globalizado, colocando-se como «sinal de contradição» para a própria globalização; por outro, as migrações constituem uma provocação para a Igreja, a descobrir e construir a catolicidade, tanto no seu interior como na sua dimensão ecuménica e no diálogo inter-religioso.” Mensagem do Congresso «Para novos fenómenos, novos organismos» (G. B. Scalabrini) - MIGRAÇÕES E MODELOS DE PASTORAL, Triuggio (Itália), 25 de Maio - 1 de Junho de 2005, Ano Centenário de Scalabrini.