Padre Saverio Paolillo, do Brasil: “Carta ao Papai Noel – De volta a Belém”

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Sexta-feira, 24 de Dezembro de 2021
Partilho convosco esta reflexão sobre o Natal. Espero que nos ajude a recuperar o seu verdadeiro significado. A encarnação de Jesus é o mais belo mistério da nossa fé. Apropriemo-nos desta herança que, para além de nos dizer a verdade sobre Deus, redime a dignidade da pessoa humana e da terra em que pôs os seus pés descalços. Um Santo Natal para todos! Padre Saverio Paolillo. [Foto:
pixabay]

CARTA AO PAPAI NOEL

DE VOLTA A BELÉM!

Querido Papai Noel,
É hora de se aposentar ou se colocar um pouco de lado antes que seja tarde demais. Não quero desrespeitá-lo, mas avisá-lo sobre o que está acontecendo. Sei que sempre agiu com boas intenções. Em todos esses anos você tem se esforçado para trazer felicidade a todos, especialmente aos pequenos, mas agora você se tornou o garoto propaganda da economia de mercado. Todo mundo está esperando por você ansiosamente não por sua bondade, mas porque é um grande promotor de vendas. Você induz as pessoas a gastar até o dinheiro que não têm e faz ganhar um monte de dinheiro a quem explora sua notória bondade. Você se tornou uma ameaça para aqueles que não conseguem controlar a compulsão por compras até se endividarem e uma mina de ouro para aqueles que produzem e vendem. Você não chega mais à casa de todos, mas só visita as famílias que têm poder aquisitivo. Os mais pobres o veem somente na televisão ou nas vitrines decoradas para a festa. Vai a casa deles apenas em forma de esmola e caridade. A dimensão do dom que prevalecia na troca de presentes foi substituída pelas duras leis do mercado. A gratuidade desapareceu, deixando o campo livre para o lucro, começando pelos altos juros que pesam sobre as parcelas a serem pagas. Agora você se tornou como um vírus que espalha a febre do consumo. O que me preocupa é que em tudo isso você se sente cada vez mais confortável. A fama subiu à cabeça. O sucesso o tornou ainda mais invadente a ponto de fazer desaparecer o verdadeiro protagonista do Natal. Você está usurpando o lugar do Menino Jesus. Talvez não seja sua intenção. Você começou fazendo o bem como aprendera do Deus Menino, mas não se deu conta do poder de instrumentalização daqueles que optam por investir suas vidas no acúmulo compulsivo de bens materiais. Você não está mais a serviço dos valores que Jesus testemunhou, mas dos valores monetários que seus patrocinadores ganham às suas costas. Você se tornou o símbolo de uma bondade artificial, que não é medida pelas boas ações realizadas ao longo do ano, mas pelo sucesso das ações nas bolsas de valores. Tenha cuidado porque, em vez de realizar os sonhos das crianças, está servindo aos interesses daqueles que corrompem os pequenos com a falsa ilusão de que a felicidade depende do ter e aparecer.

Chegou a hora de se colocar de lado se você realmente se importa com o presente e o futuro da humanidade. Dê seu espaço ao Menino Jesus. No Natal, a festa é só dele. Se você realmente quer ajudar, repasse a seus admiradores as indicações do caminho que leva à gruta de Belém. Saia da cena e mande virar os holofotes em direção da manjedoura. No Natal verdadeiro não há nenhuma ostentação. Não há ruas iluminadas, casas enfeitadas, lojas decoradas e multidões de clientes correndo freneticamente atrás de compras. Há muita indiferença, a mesma que, nos nossos dias, condena os pobres à invisibilidade e rejeição. Não há autoridades porque o contexto da miséria lhes traz constrangimento e revela sua incompetência administrativa, especialmente quando se trata de resolver os problemas da periferia. Os benfeitores também não aparecem porque não há fotógrafos e câmeras para gravar sua caridade. Não há barulho, mas um profundo silêncio. Há Maria e José, dois adolescentes que desistiram de seus sonhos, para assumirem o de Deus. Eles entenderam bem o Natal quando decidiram doar suas vidas a Deus e à humanidade para que, através de Jesus, pudessem conhecer e retomar juntos o caminho que leva à plenitude da vida e da felicidade. Há também tantas pessoas pobres, parecidas com aquelas que são descartadas na festa de "Natal" patrocinada pela economia de mercado e propagandada com sua imagem. São precisamente eles, os miseráveis de todos os tempos, que são os principais convidados da festa de Natal promovida pela economia da salvação patrocinada por Deus. Há, acima de tudo, um menino deitado numa manjedoura. Ele é pobre e frágil. Não é revestido de roupas refinadas, mas é enrolado em simples faixas. Estende as mãos pedindo para ser amparado nos braços de qualquer pessoa que queira cuidar dele. Ele é o verdadeiro presente do Natal acessível a todos. É o dom mais bonito que a humanidade já recebeu e ainda acha que vai conseguir. E é de graça. Não se compra nem se vende. Ele simplesmente se entrega.

Querido Papai Noel, a salvação da humanidade não vem com você do Polo Norte em um trenó puxado por renas. Não vem através dos presentes que saem do saco que você carrega nos ombros. Não surge da barriga da economia de mercado que só gera consumismo exasperado, endividamento, exploração indiscriminada de recursos naturais para atender às necessidades de produção e consumo, estado permanente de insatisfação, estresse para ter cada vez mais, mania de aparência e exclusão daqueles que não podem gastar. A salvação vem do céu, desce do alto, é a mão estendida de um Pai que não tem uma barba branca como você, mas é todo coração. Ele ama a humanidade a ponto de dar seu próprio filho não para condenar o mundo, mas para salvá-lo. Vem precisamente daquela criança que deixamos de lado para abrir espaço para você. Não quero que se sinta excluído como tantos anciãos, mas use toda sua preciosa sabedoria para guiar as novas gerações. Siga o exemplo do velho Simeão, um homem justo cheio do Espírito Santo, que, depois de pegar o Menino Jesus em suas mãos, louva a Deus dizendo: "Agora deixe seu servo ir em paz de acordo com sua palavra, Ó Senhor; pois meus olhos viram a sua salvação preparada por você diante de todos os povos; luz para iluminar os gentios e a glória de seu povo Israel" (Lc 2:29-32).

Dê-nos um Natal sem o delírio dos consumos e sem distrações. Desista dos dons que a propaganda nos impõe com a ilusão de nos fazer felizes. Coloque-se de lado e deixe Deus agir. Ele sabe do que precisamos. A emergência do mundo atual não é possuir o modelo de celular mais avançado, mas recuperar a humanidade. Bens materiais podem melhorar nossa condição de vida, mas o que nos torna verdadeiramente humanos é o Evangelho que Jesus nos contou e nos mostrou com seu testemunho. Você pode animar uma criança por um dia, mas não tem o poder de enxugar as lágrimas de crianças que vivem o ano todo na miséria. Você pode ser capaz de conseguir uma trégua por 24 horas, mas não é capaz de convencer os homens a largar suas armas e construir uma cultura de paz. Você também pode reunir pessoas ao redor da mesa na ceia de Natal, mas não pode quebrar os muros levantados pela ignorância, preconceito e intolerância que ameaçam diariamente nossas relações interpessoais. Você pode nos convencer a fazer o bem no dia de Natal, mas não pode fazer isso durante o ano todo. Você pode estimular a generosidade nas festas de Natal, mas não tem força para libertar nossos corações da indiferença e egoísmo com que tratamos os outros ao longo do ano. Você pode se alegrar durante as festas natalinas, mas não tem a competência para nos dar a verdadeira alegria. O mundo pode dar a volta por cima se começar de novo a partir de Belém. O Menino Jesus é o Deus da salvação que tanto procuramos. Ele é o Deus da paz que tanto desejamos. É o Deus da misericórdia que pode acabar com nossa sede de vingança. É o Deus da compaixão que consegue amolecer nossos corações e nos leva a assumir o sofrimento dos outros. É o Deus que parte o pão para nos ensinar a repartir os bens da terra. Ele é o Deus da vida e da alegria. Neste Natal compartilhemos nossa experiência de Deus. Vamos dar um ao outro seu amor. Sei que dar e receber presentes é bom, mas bom mesmo é ser presente, amigo, parceiro e abraço fraterno (Bráulio Bessa). Vamos fazer o que Ele faz. Despojemo-nos de coisas, títulos e prerrogativas para nos vestirmos de humanidade. Quanto mais humanos formos de acordo com Jesus, mais divinos nos tornaremos como Ele. O itinerário que nos leva a assumir sua divindade passa pelo caminho da humanização que o Mestre percorreu quando veio entre nós. Vejo você em Belém.

Deus diga bom sobre você e nós.
Santo Natal,
Pe. Saverio Paolillo
Missionário comboniano, no Brasil